Na primeira conversa, a seleção de empreiteiros parece só uma etapa chata antes das obras começarem. Mas é ali que se decide, quase sempre sem se notar, o nível real de qualidade de execução que vai aparecer meses depois: nas esquadrias que alinham, no chão que não estala, nas juntas que não abrem. Numa remodelação de casa, num telhado novo ou numa pequena ampliação, o erro raramente começa no betão. Começa no “sim” dito cedo demais.
É um momento muito comum: dois orçamentos parecidos, prazos “apertados mas faz-se”, e aquela sensação de que o importante é arrancar para não perder o verão, a licença, ou a paciência da família. Só que a pressa tem um custo escondido: quando a escolha é fraca, a obra inteira passa a ser uma sequência de remendos.
E depois já não dá para voltar atrás sem pagar duas vezes.
O que a obra revela quando a escolha foi errada
Ninguém percebe no dia em que assina. Percebe-se quando a demolição começa e não há proteção nas zonas comuns, quando o entulho se acumula sem plano, quando a equipa muda todas as semanas. Um empreiteiro pode até ser simpático e disponível no WhatsApp, mas isso não substitui método, chefia em obra e rotinas de controlo.
Um exemplo simples: a casa está habitada e a intervenção é “só” numa cozinha e duas casas de banho. Ao terceiro dia, o pó já entrou nos quartos, a água quente falha porque ninguém coordenou o corte, e a bancada foi encomendada sem confirmar cotas finais. Nada disto é um azar raro. É falta de preparação, e é aí que a qualidade de execução começa a descer sem pedir autorização.
O problema é que estes sinais iniciais costumam ser tratados como “normal”. E é precisamente essa normalização que faz o estrago: pequenas falhas repetidas viram atrasos, extras, discussões e, no fim, um resultado que parece sempre inacabado.
Porque é que um orçamento “bom” não é, por si, um bom empreiteiro
O preço pode estar certo e a obra correr mal. Um orçamento pode ser baixo porque está incompleto, porque subestima mão-de-obra, ou porque empurra decisões para “logo se vê”. E “logo se vê” em obra significa uma coisa: decisões caras, feitas em cima do joelho, quando o cliente já está encostado à parede.
Há três pontos que enganam muito:
- Prazos otimistas sem plano: prometer 6 semanas sem calendarização de especialidades é marketing, não gestão.
- Materiais descritos por nomes genéricos: “cerâmica retificada” ou “isolamento XPS” sem espessuras, marcas e quantidades abre portas a downgrades.
- Falta de exclusões claras: limpeza final, remoções, proteção, ligações, ensaios e pequenos acabamentos aparecem depois como “extra”.
No fundo, a seleção de empreiteiros não é escolher quem “faz”. É escolher quem consegue garantir um processo inteiro, do primeiro corte ao último silicone, com consistência.
O que pode verificar antes de dizer “avançamos”
O gesto mais útil é pedir evidência, não promessas. Não é desconfiar por sistema; é criar condições para que a obra seja previsível. Antes de adjudicar, peça ao empreiteiro para mostrar duas coisas: trabalhos recentes comparáveis e a forma como ele controla a obra no dia-a-dia (quem manda, quem decide, quem responde).
Uma lista prática, curta, que funciona em quase todas as obras:
- Visita a uma obra em curso (não só fotos do “depois”).
- Identificação do encarregado e presença média em obra por semana.
- Orçamento com mapa de quantidades ou descrição técnica minimamente fechada.
- Plano de trabalhos por fases (demolições, redes, rebocos, revestimentos, caixilharias).
- Regras de alterações: como se aprovam extras, em quanto tempo e com que preço.
Isto não garante perfeição. Mas reduz brutalmente a probabilidade de a qualidade de execução depender do humor do dia ou da equipa que “calhou”.
Erros frequentes (e compreensíveis) que acabam por sair caros
Muita gente escolhe pelo “senti confiança” e só depois tenta formalizar. É humano: queremos acreditar que vai correr bem. Só que a confiança, sem detalhes escritos, transforma-se numa discussão interminável quando aparecem fissuras, juntas abertas, pendentes mal feitas ou infiltrações.
Outro erro típico é não comparar propostas na mesma base. Um orçamento inclui impermeabilização completa; outro diz apenas “tratamento”. Um inclui primário, telas e rodapés; outro deixa isso implícito. O cliente lê números, mas está a comparar coisas diferentes. E quando percebe, já está a pagar a diferença em obra, com atraso e stress.
Há ainda o silêncio sobre garantias e manutenção: “isso é normal”, “isso assenta”, “isso depois vê-se”. Alguns assentamentos são normais. Mas a forma como o empreiteiro responde a não conformidades diz tudo sobre a qualidade de execução que vai ter quando já não houver pagamentos pendentes.
“Um bom empreiteiro não é o que promete menos problemas; é o que tem um método para quando eles aparecem.”
- Encadrado: sinais de alerta em 10 minutos
- Pressa em fechar sem esclarecer dúvidas técnicas.
- Recusa em mostrar obra em curso ou clientes recentes.
- Orçamento curto, sem marcas, espessuras e exclusões.
- “A equipa é a que estiver disponível” como resposta padrão.
- Pagamentos muito adiantados sem marcos de avanço definidos.
O que fica para depois, quando a obra termina (e o que fica para si)
No fim, a escolha errada raramente dá uma catástrofe cinematográfica. Dá uma coisa pior: um conjunto de pequenos defeitos que você passa a ver todos os dias. A porta que raspa, o rodapé que ondula, a pendente que empurra água para dentro, o ruído que aparece quando a casa aquece. São detalhes, mas são a casa.
A seleção de empreiteiros é, por isso, uma decisão de longo prazo disfarçada de urgência. Não é só “quem faz mais barato”, nem “quem começa já”. É quem consegue repetir qualidade de execução em tarefas invisíveis, aquelas que não aparecem no Instagram: preparação de suportes, tempos de cura, juntas, selagens, compatibilização entre especialidades.
E há uma pergunta simples que ajuda a recentrar tudo: quando der um problema daqui a seis meses, quem vai atender - e com que postura? Essa resposta, normalmente, já estava escondida no primeiro encontro.
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