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A escolha que parece lógica — e arruina o prazo

Grupo em reunião de trabalho, analisando gráficos e usando dispositivos digitais numa sala iluminada.

No meio do planeamento de projetos, há uma escolha que parece sensata: “vamos começar já a executar e ajustar pelo caminho”. Soa ágil, soa prática - mas é um dos erros de planeamento mais caros quando o prazo é curto e a equipa já está no limite. Porque o que se poupa hoje em decisões, paga-se amanhã em retrabalho, bloqueios e dependências descobertas tarde demais.

Vi isto acontecer numa sala de reuniões onde toda a gente concordava, aliviada, com a mesma frase: “não vale a pena perder tempo com detalhes”. A entrega era em seis semanas, o cliente mudava de ideias com frequência, e o backlog parecia um mapa desenhado à pressa. Ninguém queria ser a pessoa a “complicar”.

Duas semanas depois, o prazo já não estava a escorregar. Estava a partir.

A opção “lógica” que acende o cronómetro: avançar sem alinhar o trabalho

A decisão costuma vir mascarada de pragmatismo: arrancar com tarefas visíveis para “mostrar progresso”, enquanto requisitos, dependências e critérios de aceitação ficam para depois. Em contextos de pressão, isto dá uma sensação imediata de controlo - há movimento, há commits, há reuniões com slides.

O problema é que o cronómetro do prazo não mede esforço; mede caminho útil. E, sem um alinhamento mínimo, a equipa pode estar a correr na direcção certa… com o mapa do lado errado.

O padrão repete-se em produto, IT, construção, marketing: começa-se pelo que parece mais fácil (ou mais urgente), e adia-se o que é mais definidor (o que “conta” como feito, o que depende de quê, o que não pode falhar). O resultado é progresso aparente e entrega real cada vez mais improvável.

Onde isto nasce (e por que a equipa acredita que está a ser eficiente)

Há uma razão humana para esta escolha. Definir bem dá trabalho, obriga a dizer “não sei” e força conversas que podem ser desconfortáveis: prioridades, trade-offs, responsabilidade, orçamento, risco.

E depois há o vício das métricas rápidas: horas gastas, tarefas fechadas, percentagens de execução. Tudo isto parece produtividade, mas pode ser apenas actividade. Quando a primeira validação séria chega - com utilizadores, com QA, com integração, com compliance - a realidade entra pela porta.

“Vamos fazendo e logo se vê” funciona quando o custo de mudar é baixo. Quase nunca é baixo num projeto com prazo fixo.

Os sinais clássicos de que já caiu no buraco

Se isto lhe soa familiar, não é azar. É um padrão de planeamento.

  • Começam a surgir “surpresas” que eram previsíveis: integrações, acessos, dependências externas.
  • O conceito de “feito” muda todas as semanas (e ninguém sabe qual é a versão actual).
  • Há tarefas bloqueadas em cadeia, mas o plano continua a parecer “80% concluído”.
  • A equipa discute detalhes em cima do deadline, porque as decisões estruturais foram adiadas.

E há um sinal particularmente traiçoeiro: as pessoas trabalham mais horas, mas o risco aumenta. Esse é o momento em que o projeto deixa de ser gerido e passa a ser aguentado.

A mecânica do atraso: o prazo é destruído por retrabalho, não por trabalho

Quando se avança sem alinhar, o projeto acumula dívida invisível. Mais cedo ou mais tarde, alguém tem de pagar.

Um exemplo simples: uma equipa implementa uma funcionalidade “como sempre fez”, porque ninguém fechou critérios de aceitação com o negócio. O QA encontra falhas que não são bugs - são interpretações diferentes. O negócio pede alterações “pequenas” que afinal mexem no modelo de dados. A integração parte-se. A documentação fica para o fim. E o fim chega primeiro.

É aqui que o prazo morre: não no esforço inicial, mas na cascata de correcções, replaneamentos e reuniões para desfazer mal-entendidos. O trabalho não desaparece; apenas muda de forma e fica mais caro.

“O nosso problema não é falta de velocidade”, disse-me um gestor de produto uma vez, já com olheiras permanentes. “É que estamos a correr para trás sempre que alguém abre a porta certa.”

O antídoto prático: 60–90 minutos de clareza antes de “acelerar”

Não é transformar tudo num documento de 40 páginas. É criar o mínimo de estabilidade para que a execução seja real.

Faça este “check” curto antes de arrancar (ou para travar a tempo):

  1. Definição de feito (DoD) e critérios de aceitação: uma página, sem poesia.
  2. Dependências e bloqueios: o que precisa de quem, e quando.
  3. Caminho crítico: quais são as 3–5 coisas que, se atrasarem, atrasam tudo.
  4. Riscos prováveis: não “o meteorito”, mas o fornecedor, o acesso, a aprovação, a migração.
  5. Pontos de decisão: quando é que a equipa vai escolher A vs B (e quem decide).

Depois disto, sim: sprint, execução, velocidade. Antes disto, a velocidade é apenas barulho.

Como corrigir sem recomeçar do zero

Se já está a meio e o prazo está a escorregar, a saída raramente é “trabalhar mais”. É reduzir ambiguidade e cortar escopo com método.

  • Congele a definição de feito para as próximas duas semanas e trate mudanças como excepção formal.
  • Faça um mini-replaneamento com base no caminho crítico, não no backlog inteiro.
  • Troque promessas vagas por marcos verificáveis: “integração a funcionar em ambiente X”, “fluxo validado com 5 utilizadores”.
  • Crie um único ponto de verdade (um quadro, um documento, um owner) para prioridades e decisões.

O objectivo é simples: que cada hora investida avance o projeto, em vez de pagar confusão antiga.

Ponto de falha O que parece lógico O que acontece ao prazo
Arrancar já a executar “Ganhamos tempo” Retrabalho e redefinições tardias
Adiar dependências “Logo resolvemos” Bloqueios em cadeia e esperas
Vagueza no “feito” “Depois afinamos” Discussões finais viram reimplementação

FAQ:

  • Qual é o erro de planeamento mais comum em prazos curtos? Avançar para execução sem alinhar critérios de aceitação, dependências e caminho crítico. Parece rapidez, mas cria retrabalho.
  • Quanto planeamento é “suficiente” antes de começar? O suficiente para responder claramente a: o que é “feito”, o que bloqueia o quê, e quais são os riscos prováveis. Muitas vezes, 60–90 minutos bem conduzidos mudam tudo.
  • Como convenço a equipa de que isto não é burocracia? Mostre o custo do retrabalho recente e ligue planeamento a resultados concretos: menos bloqueios, menos alterações tardias, menos noites e fins-de-semana.
  • O que faço se o cliente muda constantemente? Defina janelas de mudança (ex.: semanal), regras de troca de escopo e uma definição de feito estável para o ciclo em curso. Mudança sem regras é atraso garantido.

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