Na contratação de trabalhador especializado, raramente falhamos por falta de currículos. Falhamos por viés emocional: aquele impulso silencioso que nos faz confundir “gosto desta pessoa” com “esta pessoa vai resolver o problema”. Isto interessa-te porque um erro aqui não é só caro - é lento, desgastante, e costuma repetir-se com a mesma lógica.
Vi isto acontecer numa terça-feira banal, com uma equipa cansada de entrevistas. O candidato entrou, sorriu com confiança, respondeu “como nós” e, em quinze minutos, já alguém dizia: “Sente-se bem, não é?” Dias depois, o “bom feeling” transformou-se numa vaga de retrabalho e numa frase amarga: “Afinal, não era bem isto.”
O motivo emocional que decide antes de tu decidires
O viés emocional mais comum é a necessidade de alívio. Quando a vaga está aberta há semanas, o backlog cresce, o cliente pressiona, e a equipa já está a fazer horas a mais, o cérebro procura uma saída rápida. Nessa pressa, “parece competente” começa a valer como “é competente”.
Há também a fome de harmonia. Um profissional que te desafia, que pergunta “porquê” três vezes, pode soar a ameaça num dia em que só queres que alguém entre e não dê trabalho. Então escolhes o candidato que baixa a fricção social - e aumentas a fricção operacional para os próximos seis meses.
E depois há o clássico: confundimos fluência com capacidade. Quem comunica bem parece pensar bem. Quem conta uma história limpa parece ter um método limpo. Mas um bom discurso pode esconder lacunas precisamente na parte invisível do trabalho especializado: decisão sob ambiguidade, rigor, repetibilidade.
Como o “bom feeling” se disfarça de critério
Ele raramente aparece como emoção. Aparece como “cultura”, “energia”, “atitude”, “encaixe”. Todas palavras úteis - quando estão amarradas a comportamentos observáveis. Sem isso, viram um atalho elegante para escolher por sensação.
Repara no padrão:
- O candidato A descreve resultados com números, mas tropeça em perguntas de detalhe.
- O candidato B tem respostas rápidas, frases seguras, e dá-te a sensação de que vai “pegar nisto”.
- A sala relaxa com B. A sala fica tensa com A.
A relaxação é o sinal. Nem sempre de perigo, mas de influência. O teu corpo está a votar antes de o teu processo votar.
Um exemplo realista: a contratação que correu “bem” até correr mal
Imagina que precisas de um técnico especializado para resolver avarias intermitentes numa linha de produção. Um candidato fala de segurança, registos, causas raiz, e pede para ver um esquema. Outro diz que “resolve isso num instante”, faz piadas com o fabricante e garante que “essas máquinas são todas iguais”.
A equipa escolhe o segundo, porque parece prático e porque ninguém tem energia para mais um processo “complicado”. Ele entra, resolve duas avarias simples, ganha crédito social. Quando chega a avaria intermitente, muda peças ao acaso, não documenta, e a linha volta a parar - agora com peças trocadas sem diagnóstico.
O erro não foi “não sabermos entrevistar”. Foi tratarmos a ansiedade da equipa como se fosse informação sobre competência.
O antídoto: transformar emoção em sinal, e sinal em teste
Não precisas de eliminar emoção. Precisas de a colocar no sítio certo: como alarme, não como veredicto.
Começa com uma regra curta: nunca tomar a decisão no pico do alívio. Se a entrevista te dá uma sensação de “finalmente”, marca a decisão para o dia seguinte. Parece pequeno, mas quebra o efeito mais caro: escolher para acabar com a dor.
Depois, cria um processo que obrigue a evidência a aparecer. Três peças chegam para a maioria das contratações de trabalhador especializado:
- Um problema real, em formato de simulação curta (30–45 min). Algo parecido com o que a pessoa fará na primeira semana.
- Uma grelha de avaliação com 4–6 critérios observáveis. Não “boa atitude”, mas “faz perguntas de clarificação”, “explica trade-offs”, “documenta passos”.
- Uma pergunta de falha. “Conta-me um caso em que fizeste um diagnóstico errado. Como percebeste e o que mudaste no teu método?”
O objetivo não é apanhar ninguém. É tirar a decisão do teatro e trazê-la para o trabalho.
“A entrevista mede presença. O teste mede performance. E o trabalho especializado vive na performance.”
Um ritual simples para não contratares para te sentires melhor
Faz um mini “check-in” após cada entrevista, com duas colunas: Sensação e Evidência. Escreve rápido, sem polir.
- Na coluna Sensação: “Senti alívio”, “Senti confiança”, “Senti irritação”, “Senti que complicou”.
- Na coluna Evidência: “Fez X perguntas”, “Desenhou um plano”, “Identificou riscos”, “Assumiu sem provar”.
Se a primeira coluna estiver cheia e a segunda vazia, estás a ver o viés emocional a tentar fechar a vaga por ti.
E sejamos honestos: ninguém faz isto perfeitamente quando está exausto. O truque é fazer quase sempre quando a contratação é crítica, e sobretudo quando o candidato “encaixa” depressa demais.
O que levar contigo
A maioria das más escolhas não nasce de incompetência - nasce de cansaço, urgência e desejo de paz. O viés emocional não é um defeito de caráter; é um mecanismo de sobrevivência aplicado ao contexto errado. Quando colocas um pequeno atraso na decisão e exiges uma pequena prova de trabalho, o processo fica menos romântico… e muito mais fiável.
| Ponto-chave | O que fazer | Porquê ajuda |
|---|---|---|
| Não decidir no “alívio” | Decidir só no dia seguinte | Reduz escolhas para acabar com a dor |
| Trocar conversa por evidência | Simulação curta + grelha | Mostra método, não só fluência |
| Separar sensação de dados | Check-in em 2 colunas | Torna o viés emocional visível |
FAQ:
- Como sei se é “fit cultural” ou viés emocional? Se não consegues apontar comportamentos concretos (ex.: como colaborou, como lidou com desacordo, como documentou), é provável que seja sensação a mascarar-se de critério.
- Um teste prático não afasta bons candidatos? Afasta candidatos que não querem ser avaliados pelo trabalho. Bons profissionais especializados costumam apreciar clareza, desde que o teste seja curto e relevante.
- E se eu não tiver tempo para simulações? Faz uma versão mínima: um caso escrito de 20 minutos + 10 minutos para explicar decisões e riscos. Melhor pouco e real do que muito e vago.
- O “carisma” conta para funções especializadas? Conta para colaboração, mas não substitui método. Pondera-o como um critério menor e só depois de validares competência com evidência.
- O que faço se a equipa já está “apaixonada” por um candidato? Pede que cada pessoa escreva, em silêncio, três evidências concretas e dois riscos. Se não aparecer evidência, estás a ver consenso emocional, não consenso técnico.
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