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A obra não atrasou. Foi mal planeada

Homem de capacete analisa documentos em escritório de obra com computador e agenda.

Numa obra, o cronograma de construção é mais do que uma tabela com datas: é o guião que coordena equipas, materiais, licenças e decisões no terreno. Quando há falha de planeamento, o resultado costuma parecer “atraso”, mas muitas vezes é apenas o calendário a revelar que nunca foi realista. Para quem paga, gere ou fiscaliza, perceber esta diferença evita discussões inúteis - e, principalmente, custos silenciosos.

Às 7:30 da manhã, o encarregado abre o contentor, procura a planta e encontra a mesma frase de sempre: “a equipa de AVAC vem hoje”. Só que o teto falso ainda não existe, o eletricista não terminou as calhas, e o material está preso num fornecedor à espera de uma validação que ninguém formalizou. A obra não está “lenta”. Está a cumprir, fielmente, o plano errado.

Quando “atraso” é só o nome simpático para um cronograma mal feito

Um cronograma sólido não é o mais otimista; é o mais coordenado. Ele liga dependências (o que tem de acontecer antes), confirma recursos (quem faz, com que equipa), e respeita restrições (ruído, acessos, cura do betão, inspeções). Se uma dessas peças fica por escrever, o calendário passa a ser um desejo impresso.

O problema é que o terreno cobra juros. Uma decisão que faltou em projeto vira uma paragem, depois uma remobilização, e por fim um conflito: “a empreitada não cumpriu”. Mas a sequência original já era impossível.

“Não me digam que a obra atrasou se a semana 3 dependia de um desenho que só chegou na semana 6.”

O que um cronograma de construção precisa de ter (e o que costuma faltar)

Há cronogramas bonitos, com cores e barras alinhadas. E há cronogramas utilizáveis, onde cada barra tem pernas e chão. A diferença está no que foi pensado antes de abrir o Excel.

Elementos que quase nunca falham num cronograma que funciona: - Dependências explícitas (FS/SS/FF): não “começa dia 10”, mas “começa quando X estiver concluído e aceite”. - Marcos de decisão: aprovação de amostras, validação de pormenores, compatibilização entre especialidades. - Buffer realista para imprevistos típicos (não para catástrofes): atrasos de fornecimento, retrabalho, logística de estaleiro. - Recursos amarrados: número de equipas, produtividade assumida, turnos, e restrições de acesso. - Caminho crítico revisto: aquilo que, se escorregar, leva o projeto inteiro com ele.

O que costuma faltar é o mais simples: confirmação de que as premissas são verdadeiras. Produtividades copiadas de outra obra, prazos de fornecimento “por alto”, e atividades sobrepostas porque “dá sempre para desenrascar”.

Sinais de falha de planeamento que aparecem cedo (se souber olhar)

Os avisos surgem nos primeiros dias, quando ainda parece cedo para dramatizar. É aí que vale a pena ser chato, porque mais tarde já só há dinheiro a arder.

Procure estes padrões: - Equipas a chegarem sem frente de trabalho (espera = custo). - Materiais encomendados sem data de instalação definida (armazenamento, danos, perdas). - Reuniões cheias de “pendentes” que não têm dono nem prazo. - Sequências ao contrário: acabamentos antes de testes, fechamentos antes de inspeções, “vamos avançando” antes de compatibilizar. - Replaneamentos semanais que reescrevem o mês inteiro (não é agilidade; é falta de base).

Há um detalhe que engana: a obra pode estar “em movimento” e, mesmo assim, estar a falhar. Muita atividade não significa progresso no caminho crítico.

Um método curto para transformar calendário em plano (sem recomeçar do zero)

Não precisa de deitar o cronograma fora para o tornar útil. Precisa de o aterrar: sair do genérico e entrar no executável.

  1. Recolha as dependências reais com quem executa (encarregados e subempreiteiros), não só com quem planeia.
  2. Parta atividades longas em blocos verificáveis (por zona, por piso, por sistema), com critérios de conclusão claros.
  3. Amarre compras e aprovações ao cronograma: cada fornecimento tem data de encomenda, fabrico, entrega, e instalação.
  4. Identifique o caminho crítico e proteja-o: buffers curtos, decisões mais cedo, e menos frentes abertas sem necessidade.
  5. Crie um ciclo de controlo simples: semanal com 3 perguntas - o que foi feito, o que bloqueou, o que muda.

O objetivo não é “cumprir datas”. É reduzir surpresa. Um bom plano faz o risco aparecer no papel antes de aparecer na fatura.

A conversa difícil: como dizer “não é atraso” sem perder a equipa

A frase “isto está atrasado” pode ser verdadeira e inútil ao mesmo tempo. O que resolve é localizar a causa, e dar um próximo passo concreto. Em vez de discutir culpa, discuta pré-condições: o que falta para começar, quem entrega, e quando.

Algumas formulações que funcionam em obra: - “Para avançar com X, precisamos de Y concluído e aceite. Quem fecha Y e até quando?” - “O fornecedor garante entrega em que data, com que confirmação escrita?” - “Se abrirmos esta frente hoje, o que fica sem recursos amanhã?”

É um tom firme, mas técnico. E tem uma vantagem: transforma ruído em decisões.

Ponto-chave O que verificar Porque importa
Dependências Pré-condições e aceitação Evita frentes paradas e retrabalho
Recursos Equipas/produtividade real Reduz custos de espera e improviso
Compras/decisões Aprovações e prazos de fornecimento Corta “atrasos invisíveis”

O que muda quando o planeamento é levado a sério

Uma obra bem planeada não é uma obra sem problemas. É uma obra onde os problemas chegam com nome, data e responsável - cedo o suficiente para serem baratos. E isso, para quem está do lado do dono de obra, é a diferença entre gerir um projeto e apenas reagir a ele.

No fim, o cronograma não serve para provar que alguém falhou. Serve para impedir que a falha de planeamento se disfarce de “atraso” até ser tarde demais.

FAQ:

  • O que distingue um atraso real de uma falha de planeamento? Atraso real é desvio face a um plano exequível; falha de planeamento é quando o plano já nasce com premissas falsas (dependências, recursos, aprovações ou fornecimentos ignorados).
  • Qual é o erro mais comum num cronograma de construção? Atividades genéricas e longas sem critérios de conclusão e sem dependências reais, o que torna impossível controlar progresso e bloquear riscos cedo.
  • Como integrar fornecedores e aprovações no cronograma sem o tornar enorme? Crie marcos curtos (aprovar amostra, encomendar, data “ready-to-ship”, entrega, instalação) apenas para itens críticos e de longo prazo.
  • Replaneamento semanal é mau? Não. É essencial. O mau sinal é quando a semana serve para reescrever o mês inteiro porque o plano base não tinha chão.
  • Que indicador simples ajuda a perceber se a obra está a “andar” no caminho certo? Percentagem de tarefas concluídas conforme prometido na semana (PPC) e, sobretudo, quantas falhas foram por falta de pré-condições (decisão, material, acesso, projeto).

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