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Aceitar tudo para avançar rápido costuma gerar problemas difíceis de resolver

Dois homens discutem planos de construção com capacetes e papéis numa mesa de madeira.

Num acordo de construção, a pressa costuma aparecer disfarçada de pragmatismo: “assina-se já e resolve-se depois”. O problema é que termos indefinidos - prazos “a acordar”, preços “estimados”, responsabilidades “partilhadas” - não ficam em espera; transformam-se em conflitos no estaleiro, na tesouraria e, muitas vezes, no tribunal. Para quem contrata ou executa, esta é uma lição cara: avançar rápido aceitando tudo raramente sai barato.

Há um momento típico em qualquer obra: a equipa quer começar, o cliente quer ver progresso, e alguém sugere deixar “pormenores” para mais tarde. Só que, na construção, o “mais tarde” coincide com betão a endurecer, encomendas a chegar e equipas já mobilizadas. Quando a realidade aperta, a ambiguidade vira arma.

O atalho que parece eficiência - e vira dívida

A construção recompensa decisões claras e penaliza improviso. Um contrato incompleto até pode pôr máquinas a trabalhar uma semana antes, mas tende a atrasar meses quando surgem alterações, incompatibilidades de projeto ou falta de materiais.

O padrão repete-se: para não perder a janela de início, aceita-se uma minuta com lacunas. Depois, cada lacuna vira uma negociação de emergência, feita sob pressão, com menos margem e mais ressentimento.

Um acordo mal definido não “ganha tempo”. Ele apenas adia decisões para o pior momento possível: quando já há custos a correr.

Onde os termos indefinidos doem mais

Nem toda a indefinição tem o mesmo impacto. Algumas geram dúvidas geríveis; outras abrem a porta a derrapagens difíceis de travar.

  • Âmbito da obra (“o que está incluído”): o clássico “inclui tudo o que for necessário” sem mapa de quantidades, medições ou peças desenhadas vinculativas.
  • Prazos e marcos: datas sem calendário de trabalhos, sem dependências (licenças, fornecimentos, aprovação de amostras).
  • Preço e revisão: “preço global” sem clarificar o que acontece com erros de projeto, trabalhos a mais, inflação de materiais ou alterações do cliente.
  • Responsabilidades: quem coordena especialidades, quem responde por incompatibilidades, quem trata de segurança e saúde em obra.
  • Aceitação e pagamentos: sem critérios de medição, autos, retenções, garantias e prazos de pagamento.

Cada ponto destes, quando fica vago, cria espaço para leituras opostas. E duas leituras opostas, numa obra, são um convite a paragens e a pedidos de reequilíbrio.

O que a obra revela quando o papel não decidiu

No papel, a ambiguidade parece flexibilidade. Na obra, ela vira escolhas diárias: “faz-se assim ou assado?”, “isto é extra?”, “quem paga a grua mais uma semana?”. Sem resposta contratual, a decisão tende a ser tomada por quem está mais pressionado - e contestada por quem paga.

As consequências não são apenas jurídicas; são operacionais. Subempreiteiros não esperam pela vossa interpretação do contrato. Fornecedores ajustam condições quando percebem incerteza. E a equipa interna passa a gerir fricção em vez de produzir.

O custo invisível: gestão por conflito

Quando tudo é discutível, tudo é discutido. A obra passa a funcionar por e-mails, atas e “reservas”, com gente a proteger-se em vez de colaborar. Isto cria um efeito dominó:

  1. A decisão atrasa porque falta base clara.
  2. O atraso gera custo (equipas, alugueres, estaleiro).
  3. O custo alimenta disputa (quem assume?).
  4. A disputa trava decisões futuras.

É assim que uma “assinatura rápida” se converte num problema difícil de resolver: porque já existe demasiado investimento emocional, financeiro e logístico para recuar sem perdas.

Como avançar rápido sem aceitar tudo

Velocidade não exige vagueza; exige preparação. O objetivo não é escrever um tratado, é fechar os pontos que, se falharem, rebentam o plano.

Um bom teste prático é simples: se surgir um imprevisto amanhã, o contrato ajuda a decidir em 15 minutos ou abre uma discussão de 15 dias?

Checklist curto para proteger o acordo (sem o tornar pesado)

  • Definir o âmbito com anexos: peças desenhadas, caderno de encargos, mapa de quantidades/medições e uma ordem de prevalência entre documentos.
  • Criar um mecanismo de alterações: como se pede, quem aprova, como se mede impacto em prazo e preço, e quando se pode executar.
  • Fechar marcos e dependências: licenças, fornecimentos críticos, aprovações do dono de obra, janelas de trabalhos ruidosos.
  • Clarificar critérios de pagamento: autos, prazos, retenções, garantias, penalidades e condições para libertação.
  • Atribuir responsabilidades sem zona cinzenta: coordenação, compatibilização, segurança, ensaios, comissionamento.

Em muitos casos, um anexo de “pontos fechados para arranque” resolve. A obra começa, mas começa com guardrails.

Sinais de que está a aceitar demais (e vai pagar depois)

Há frases que soam inofensivas e são, na prática, alarmes. Se aparecem no acordo, vale parar e reescrever.

  • “A definir em obra” para itens críticos (estruturas, impermeabilizações, redes técnicas).
  • “Preço sujeito a confirmação” sem método de confirmação e sem limite.
  • “Prazo indicativo” sem marcos nem consequências.
  • “O empreiteiro garante o resultado” sem se definir se o projeto é responsabilidade dele ou do dono de obra.
  • “Inclui tudo” sem lista do que está excluído.

A velocidade saudável é a que reduz incerteza cedo. A velocidade ansiosa é a que empurra decisões para o terreno - e depois chama-lhe “imprevisto”.

Uma regra simples que evita grandes litígios

Se há algo que a construção ensina, é que a realidade não negocia. O contrato serve para decidir antes de doer: quem faz, quanto custa, quando entrega, como se altera e como se paga. Aceitar tudo para avançar rápido pode pôr a obra a mexer, mas frequentemente põe também o conflito a mexer.

Quando um acordo de construção é claro, a obra ganha ritmo. Quando é feito de termos indefinidos, a obra ganha ruído - e o ruído, quase sempre, acaba por ficar mais caro do que o silêncio de adiar um dia para fechar o que importa.

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