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Antes de pedir orçamentos, faça isto (ninguém avisa)

Pessoa trabalhando em projeto arquitetónico numa mesa com portátil, caderno e fita métrica.

A primeira vez que alguém lhe diz “mande-me a planta e depois falamos”, você percebe que pedir preços não é só uma questão de números. O planeamento de renovação é o momento em que transforma a sua ideia (e a sua casa) numa lista clara de decisões - e é aí que a preparação do orçamento deixa de ser um tiro no escuro. É relevante porque os orçamentos variam menos pelo “empreiteiro caro” e mais pelo que ficou por definir antes do primeiro telefonema.

Há um ritual silencioso que quase ninguém explica: antes de recolher três, cinco, dez propostas, é preciso construir um pedido de orçamento que seja comparável. Sem isso, vai receber respostas que parecem sobre a mesma obra, mas não são. E depois vem a parte pior: a escolha é feita por instinto, porque os papéis não permitem outra coisa.

O erro mais comum: pedir preços para uma obra que ainda não existe

Uma renovação “da cozinha” pode significar trocar frentes e bancada, ou mexer em canalização, eletricidade, ventilação e pavimento. Uma “casa de banho nova” pode ser só cerâmica e loiças, ou incluir impermeabilização, nichos, base de duche à medida e mudança de esgoto. Se você não desenhar os limites, cada profissional desenha-os por si - e orçamenta o que lhe convém, o que supõe, ou o que está habituado a fazer.

É aqui que a confusão começa: um orçamento parece barato porque não inclui demolições, outro parece caro porque inclui tudo e mais alguma coisa “por precaução”. No fim, a conversa degrada-se em “mas eu pensei que estava incluído” vs “isso não estava no caderno”. E muitas vezes ninguém está a mentir. Só estavam a jogar com peças diferentes.

O que fazer antes de pedir orçamentos (o “kit” que muda tudo)

Não precisa de um projeto completo para começar, mas precisa de um mínimo de definição para que dois orçamentos falem a mesma língua. Reserve uma hora calma e faça isto como quem revê uma declaração: linha a linha, sem pressa, com caneta na mão.

1) Defina o objetivo e o perímetro, em português simples
Escreva 5 a 10 linhas: o que quer melhorar (funcionalidade, estética, humidades, isolamento), em que divisões, e o que fica fora. Exemplos que evitam guerras: - “Renovar cozinha mantendo a posição do lava-loiça; não mexer em gás.” - “Casa de banho: manter sanita no sítio; trocar banheira por duche; incluir impermeabilização.” - “Sala: manter rodapés; pintar; trocar pavimento flutuante.”

2) Faça uma lista de trabalhos por camadas (demolição → acabamentos)
Isto força a obra a existir no papel. Use um formato simples: - Demolições e remoções (azulejo, louças, móveis, entulho) - Infraestruturas (canalização, eletricidade, ventilação, gás, pladur) - Preparação (regularizações, impermeabilização, primários) - Revestimentos (cerâmica, pavimento, pintura) - Montagens (móveis, torneiras, sanitários, iluminação) - Finalização (silicones, limpezas, testes, afinações)

3) Escolha “pontos que não podem variar”
São as decisões que, se mudarem, tornam qualquer comparação inútil. Se não souber a marca exata, defina o nível: - Cerâmica: gama económica / média / premium + formato aproximado - Torneiras: monocomando cromado vs termostática, embutida ou externa - Pintura: plástica lavável, número de demãos, reparação de fissuras incluída? - Pavimento: vinílico SPC vs flutuante AC5, com ou sem rodapé novo

4) Meça o suficiente para não ser enganado pelo vazio
Não precisa de ser topógrafo. Precisa de áreas e quantidades aproximadas para impedir “estimativas criativas”: - m² de pavimento por divisão - m² de paredes a revestir/pintar - número de pontos de luz e tomadas a mexer - peças sanitárias e torneiras (quantidades)

Se tiver plantas, ótimo. Se não tiver, um esboço à mão com medidas principais já resolve metade do problema.

5) Escreva as condições de obra (ninguém pede, mas toda a gente cobra)
É o sítio onde os custos escondidos costumam viver: - Andar, elevador, horários permitidos, ruído - Estacionamento/carga e descarga - Proteção de áreas comuns e do resto da casa - Casa habitada durante a obra ou casa vazia - Acesso a água/luz, ponto para misturar argamassas, armazenamento

Como pedir orçamentos para que sejam comparáveis (e para evitar “extras”)

O seu pedido deve obrigar a responder do mesmo modo. Não é burocracia; é defesa própria. Envie um PDF de 1–2 páginas com o seu “kit” e faça três perguntas que colocam os pressupostos em cima da mesa.

Peça que o orçamento venha com: - Preço discriminado por capítulos (demolição, instalações, revestimentos, etc.) - Materiais incluídos vs fornecidos pelo cliente (bem identificado) - Prazo de execução e início possível - Condições de pagamento e garantia - Exclusões (o que não está incluído) por escrito

E inclua estas perguntas no email, de forma direta: 1) “O que está a assumir que eu não escrevi?”
2) “Que riscos vê nesta obra que podem alterar preço/prazo?”
3) “Que alternativas propõe para manter o custo sob controlo?”

De repente, o orçamento deixa de ser um número e passa a ser um mapa. E mapas são comparáveis.

O teste de realidade: se isto falhar, ainda não está pronto para preços

Há um sinal simples. Se você não consegue explicar a obra em dois minutos a alguém de fora - sem dizer “depois logo se vê” - ainda falta planeamento de renovação. E pedir orçamentos nessa fase costuma produzir duas coisas: ansiedade e uma pilha de PDFs que não ajudam a decidir.

Uma renovação não falha só na execução. Falha cedo, na definição. É por isso que tanta gente sente que “ninguém avisou”: porque o aviso não é dramático, é só técnico e chato. Mas é o chato que poupa dinheiro.

Checklist rápido para hoje (antes do primeiro telefonema)

  • Escrever objetivo + o que fica fora
  • Lista de trabalhos por camadas (do entulho à limpeza)
  • 5 “pontos que não podem variar” (qualidade mínima)
  • Medições básicas (m² e quantidades)
  • Condições de obra (acessos, casa habitada, proteções)
  • Pedido de orçamento com capítulos + inclusões/exclusões
Passo O que produz Porque protege o seu orçamento
Perímetro e camadas Uma obra “existente” no papel Reduz omissões e mal-entendidos
Pontos fixos + medições Comparação justa entre propostas Evita preços baixos com qualidade inferior
Condições de obra Expectativas alinhadas Menos “extras” e atrasos por logística

FAQ:

  • Vale a pena pedir orçamento sem ter tudo escolhido (cerâmica, torneiras, etc.)? Sim, desde que defina gama/nível e o que está incluído. O importante é reduzir variações invisíveis.
  • Quantos orçamentos devo pedir? Três bem comparáveis costumam ser melhores do que seis incomparáveis. Mais do que isso tende a aumentar ruído, não clareza.
  • Como evito que o preço suba a meio? Com um pedido claro, exclusões escritas e uma lista de “suposições” confirmadas. E aceite que imprevistos existem - mas não devem ser a regra.
  • Preciso de projeto de arquiteto/engenheiro para uma renovação? Depende do que vai mexer (estruturas, fachadas, redes, licenças). Mesmo sem projeto formal, um planeamento mínimo e um caderno de encargos simples fazem diferença.

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