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Contratou um empreiteiro “simpático”? Eis onde começa o erro

Três pessoas discutem planos de construção numa mesa com documentos, fita métrica e telemóvel.

A maioria das desilusões numa obra não começa no betão nem no projeto. Começa no momento em que escolhe um empreiteiro geral porque “parece de confiança”, e o viés na contratação faz o resto sem pedir licença. É compreensível: numa remodelação, queremos alguém que nos tranquilize, que responda às mensagens, que nos faça sentir que “está tudo controlado”. Só que simpatia não é sistema.

O problema não é o empreiteiro ser simpático. O problema é quando a simpatia substitui as perguntas certas, os documentos certos e a disciplina certa - e você só percebe isso quando a obra já está aberta, o pó já está em casa, e as decisões já custam dinheiro.

O momento em que a simpatia troca de lugar com a competência

Existe uma cena típica. O empreiteiro chega a horas, fala com jeito, aponta para o teto e diz: “Isto resolve-se num instantinho.” Você sente alívio. E esse alívio é precisamente o ponto fraco.

O viés na contratação funciona assim: o cérebro prefere sinais sociais fáceis de interpretar (cordialidade, rapidez, confiança) a sinais técnicos mais difíceis (planeamento, medições, margem para imprevistos, método de controlo). Num café, isso é inofensivo. Numa obra, pode ser caríssimo.

Um empreiteiro geral competente pode ser simpático, claro. Mas a competência raramente se prova com conversa; prova-se com previsibilidade.

O “erro invisível”: contratar pela sensação, não pelo processo

Quando a escolha é feita pela sensação, quase sempre ficam três buracos abertos:

  1. Âmbito mal definido: o que está incluído, o que é extra, e o que depende de terceiros.
  2. Prazos sem estrutura: datas “por alto”, sem marcos intermédios nem dependências claras.
  3. Preço sem anatomia: um total que parece razoável, mas sem mapa de materiais, mão de obra e exclusões.

E depois acontece o clássico: a primeira derrapagem é pequena e até parece normal. Uma semana a mais. Um “já agora” no material. Um “isto não estava previsto”. A simpatia serve de anestesia - até deixar de servir.

“Não se preocupe, isso depois acerta-se.”
Numa obra, esta frase costuma significar: vai acertar no seu orçamento.

O que um bom empreiteiro geral faz antes de pedir confiança

Há sinais muito simples que não dependem de carisma. Dependem de método.

Um profissional sólido tende a:

  • Fazer levantamento e medições (ou pedir plantas com rigor) antes de fechar valores.
  • Escrever pressupostos: o que assume como base (estado das paredes, instalações, acessos, horários do condomínio).
  • Apresentar fases da obra: demolições, infraestruturas, fechamentos, acabamentos, limpezas.
  • Definir quem compra o quê (materiais do cliente vs. do empreiteiro) e como se aprovam substituições.
  • Propor formas de controlo: reuniões semanais curtas, fotos, checklists, validação de trabalhos antes de fechar paredes.

Repare no detalhe: tudo isto reduz mal-entendidos. A simpatia reduz ansiedade, mas não reduz ambiguidade.

Os vieses mais comuns que nos fazem dizer “sim” cedo demais

O viés na contratação não é falta de inteligência. É falta de fricção no momento certo.

Aqui estão quatro atalhos mentais típicos:

  • Efeito halo: ele é simpático e bem-apresentado, logo “deve ser competente”.
  • Prova social: “fez a casa do meu amigo”, mesmo que a obra do amigo seja diferente da sua.
  • Aversão ao conflito: preferimos não “complicar” com perguntas, para não parecer desconfiados.
  • Falsa urgência: “tenho já uma vaga para si” empurra uma decisão sem comparação real.

O antídoto é simples: criar um processo que não dependa do estado de espírito do dia.

Uma checklist curta para não confundir empatia com garantia

Antes de adjudicar, peça - por escrito, nem que seja por email - respostas a estas perguntas:

  • Qual é o âmbito exato (inclui remoção de entulho, proteção de áreas, licenças, contentor)?
  • Que trabalhos são exclusões (pintura? carpintarias? eletrodomésticos? alumínios?).
  • Como é feito o plano de pagamentos (por marcos concluídos, não por “datas”).
  • Quem é o responsável diário em obra e como se comunica (WhatsApp é ok; “só quando der” não é).
  • O que acontece quando há imprevistos (teto podre, prumos, infiltrações): como se orçamenta e aprova.

Se a resposta vier vaga, com muitos “logo se vê”, isso é informação. Não é antipatia da sua parte; é gestão de risco da sua.

Onde costuma estalar: mudanças, materiais e “pequenas coisas”

O orçamento raramente explode num grande momento dramático. Ele escorre por fendas.

  • Mudanças de última hora: uma tomada aqui, um ponto de luz ali, um nicho no duche. Tudo legítimo - tudo cumulativo.
  • Materiais “equivalentes”: o empreiteiro substitui porque “é igual” e só depois você vê que não é.
  • Acabamentos: rodapés, juntas, alinhamentos, silicone, remates. A simpatia não assenta azulejo.

É aqui que um empreiteiro geral com método se distingue: ele cria travões. Travões educados, mas travões.

Como contratar sem ficar cínico

Não precisa de desconfiar de toda a gente. Precisa de separar duas coisas: a relação e o contrato.

A relação serve para a obra não ser um inferno. O contrato serve para a obra não ser uma lotaria. Quando ambos existem, a simpatia volta ao lugar certo: um extra bom, não a base da decisão.

Guarde esta regra prática: se algo é importante, tem de estar escrito; se é caro, tem de ser aprovado; se é invisível (dentro da parede), tem de ser verificado antes de fechar.

Ponto crítico O que pedir Porquê importa
Âmbito Lista de incluídos/excluídos Evita “isso é extra”
Prazos Fases com marcos Dá previsibilidade
Alterações Processo de aprovação Controla derrapagens

FAQ:

  • Como sei se estou a escolher pelo “feeling” e não pela competência? Se não consegue explicar, em duas frases, o âmbito, os marcos e as exclusões da obra, provavelmente está a escolher pela sensação.
  • É mau sinal o empreiteiro não querer assinar um contrato detalhado? É um sinal de risco. Um contrato protege ambos e reduz discussões durante a obra.
  • Devo escolher sempre o mais barato? Não. Compare propostas pelo que incluem, exclusões, prazos e método de controlo - não só pelo total.
  • O que é um bom plano de pagamentos? Um plano por marcos verificáveis (ex.: demolições concluídas, infraestruturas testadas, revestimentos assentados), com retenção final até correções.
  • A simpatia conta zero? Conta, mas depois do método. Simpatia ajuda na comunicação; não substitui medições, fases, validações e controlo de alterações.

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