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Escolher rápido dá sensação de controlo. É mentira

Mulher segurando telemóvel e prancheta com nota "48 horas", em sala em obra com ferramentas.

A contratação de empreiteiro raramente começa com um plano calmo. Começa com pó no corredor, uma infiltração a aumentar e aquele viés cognitivo que sussurra: “decide já, assim voltas a ter controlo”. Parece lógico, quase adulto. E, no entanto, é precisamente aí que muita gente entra no pior contrato da vida.

Porque escolher rápido não é o mesmo que escolher bem. É só uma forma de aliviar ansiedade no minuto - e pagar por isso durante meses, em atrasos, derrapagens e discussões que ninguém queria ter.

Pense na cena: está ao telemóvel, com três separadores abertos, dois orçamentos por WhatsApp e um “conhecido de um amigo” que “pode começar já na segunda”. O corpo relaxa com a ideia de resolver. A cabeça chama-lhe eficiência. Mas muitas vezes é só pressa a mascarar medo.

A mentira confortável: “Se eu decidir já, isto fica resolvido”

O cérebro adora fechamentos rápidos. Quando há incerteza (quanto vai custar, quanto vai durar, se vai ficar bem), a decisão funciona como uma tampa: fecha a panela a ferver. E por uns minutos sente-se paz.

Esse alívio é real, mas é temporário. A obra, essa, continua. E quando a realidade aparece - materiais que “afinal” não estão incluídos, prazo que “afinal” era estimativa, equipa que “afinal” muda todas as semanas - percebe-se que a pressa não comprou controlo. Comprou silêncio.

Há um viés cognitivo aqui muito comum: confundir ação com progresso. Assinar, transferir sinal, “marcar data” dá sensação de avanço. Só que o avanço verdadeiro, numa obra, é ter condições claras e verificáveis.

Onde a pressa se cola na contratação de empreiteiro (e faz estragos)

A pressa não aparece como “vou fazer asneira”. Aparece como pequenas concessões “só desta vez”. E são quase sempre as mesmas.

  • Aceitar um orçamento sem mapa de quantidades (“é mais ou menos isto”).
  • Não pedir cronograma (“isso depois vê-se na obra”).
  • Avançar sem contrato porque “é pessoa séria”.
  • Escolher pelo “começa já” em vez de “entrega bem”.
  • Não confirmar alvará/seguro/atividade aberta (“ele faz isto há anos”).

O problema é que cada uma destas concessões reduz o seu poder de negociar mais tarde. E, numa obra, “mais tarde” é quando já está tudo aberto, sujo e dependente de uma equipa para fechar.

A sensação de controlo vem do gesto rápido. O controlo real vem da estrutura antes do primeiro martelo.

O micro-método que trava o impulso sem travar a obra

Não é preciso transformar a sua vida num curso de gestão de projetos. Precisa só de um pequeno ritual que cria tempo - e tempo cria clareza.

A regra é simples: 48 horas e 3 perguntas. Mesmo que o empreiteiro “consiga começar amanhã”.

Durante 48 horas, faça estas três coisas:

  1. Peça o mesmo nível de detalhe a todos. Se um orçamento é uma lista de preços e outro tem medições, não está a comparar nada. Peça itens, quantidades e o que fica explicitamente fora.
  2. Peça um cronograma mínimo. Não um Gantt perfeito. Um plano por fases: demolições, redes, revestimentos, acabamentos, limpeza. Com datas ou semanas.
  3. Peça as “provas aborrecidas”. Alvará (se aplicável), seguro de responsabilidade civil, recibos/faturas, morada fiscal, equipa própria vs subempreitada.

O mais interessante é que isto também filtra pessoas. Quem fica defensivo com perguntas básicas não está a “ser transparente”. Está a preparar terreno para “extras” e ambiguidades.

E sim: 48 horas podem ser desconfortáveis. É exatamente esse desconforto que indica que está a sair do piloto automático.

“Mas eu preciso de decidir já”: o que fazer quando há urgência real

Há urgências que não esperam: uma rutura, uma infiltração grave, um curto-circuito. Nesses casos, o erro é transformar uma intervenção de emergência num contrato de obra.

Faça duas camadas:

  • Camada 1 (agora): autorize apenas contenção e segurança. Algo com limite: “detetar origem, isolar, reparar provisoriamente”.
  • Camada 2 (depois): só adjudique a obra completa com orçamento detalhado, fases, materiais e condições.

Muita gente salta diretamente para a camada 2 porque quer “acabar com o assunto”. E é aí que o viés cognitivo ganha: troca-se um problema técnico por um problema contratual.

Uma obra pode começar depressa. Um compromisso grande deve começar devagar.

Os sinais silenciosos de que está a escolher para se acalmar (e não para acertar)

Há frases internas que parecem sensatas, mas são alarmes.

  • “Ele pareceu-me confiável, senti logo.”
  • “Não quero estar a complicar.”
  • “Se eu perder esta vaga, nunca mais.”
  • “Depois logo se ajusta.”
  • “Toda a gente faz assim.”

Não é que intuição não conte. Conta, mas como radar, não como contrato. Quando está a decidir para baixar a ansiedade, tende a ignorar o que é chato: condições, exclusões, medições, pagamentos por fases.

E o chato é, muitas vezes, o que o protege.

Checklist curto: controlo verdadeiro em vez de controlo sentido

Guarde isto como um “mínimo” antes de adjudicar:

  • Orçamento com itens, quantidades e exclusões (o que não está incluído).
  • Prazos por fases e condições para alterações.
  • Pagamentos faseados por marcos (não “metade para começar, metade no fim” sem critérios).
  • Materiais definidos (marca/gama quando relevante) ou regras de equivalência.
  • Comunicação e aprovação de “trabalhos a mais” por escrito, antes de executar.

Não é burocracia. É linguagem comum quando as coisas correm menos bem - e numa obra, mais cedo ou mais tarde, alguma coisa corre menos bem.

A boa notícia é que, quando isto está alinhado, a contratação de empreiteiro deixa de ser uma aposta emocional. Passa a ser uma decisão com travões, limites e plano. E aí sim: o controlo deixa de ser sensação e passa a ser realidade.

FAQ:

  • Como sei se estou a decidir por pressa? Se a principal razão for “alívio” (parar de pensar no assunto) e não “clareza” (condições e comparação), está a decidir por pressa.
  • É mau escolher o empreiteiro que consegue começar mais cedo? Não necessariamente. É mau escolher apenas por isso, sem orçamento detalhado, fases, exclusões e regras para extras.
  • Um contrato escrito é mesmo necessário? Sim. Mesmo simples, reduz ambiguidades e dá um guião para resolver conflitos. WhatsApp ajuda, mas não substitui condições claras.
  • Quantos orçamentos devo pedir? Idealmente 2 a 4 com o mesmo nível de detalhe. Mais do que isso pode dar falsa sensação de rigor e atrasar sem melhorar a decisão.
  • O que é um “extra” aceitável numa obra? Algo que não estava previsto e que é aprovado por escrito com preço e impacto no prazo antes de ser executado. Sem isso, é terreno fértil para conflito.

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