Entrei numa obra a meio da tarde, quando o pó já assentou e as decisões já foram tomadas. O dono da casa apontou para a parede nova e disse-me, com uma convicção cansada, que a seleção de empreiteiros “foi feita pelo preço” - e que os critérios de decisão, no fim, eram simples: “quem faz mais barato ganha”. Duas infiltrações depois, a frase soava menos a prudência e mais a azar.
Há uma escolha que passa despercebida, porque não aparece na folha de orçamento. E, no entanto, é ela que costuma decidir o resultado final: como se escolhe o empreiteiro e com que método se compara propostas que, por fora, parecem iguais.
O mito do “mais barato” e o custo que chega mais tarde
O preço é um número confortável. Permite decidir rápido, fechar o assunto e acreditar que se controlou o risco. Só que em obras, o risco raramente está no valor total - está nas omissões, nas ambiguidades e nas pessoas.
Dois orçamentos podem ter a mesma soma e significarem coisas completamente diferentes. Um inclui preparação de base, impermeabilização e garantia escrita; o outro assume “o normal”, não detalha materiais e deixa a porta aberta para extras. Na adjudicação, ambos parecem equivalentes. Na execução, um transforma-se numa lista de surpresas.
A decisão que mais pesa, por isso, é esta: comparar como se estivesse a comprar o mesmo produto - ou comparar como se estivesse a gerir um projeto com variáveis, dependências e responsabilidade.
Os critérios de decisão que realmente separam uma boa obra de uma guerra
Há sinais práticos que não cabem numa frase comercial e que costumam prever o desfecho com uma precisão desconfortável. Não são “truques”; são evidências de método.
Eis um conjunto curto de critérios de decisão que tendem a proteger o dono de obra mais do que qualquer desconto:
- Âmbito detalhado, por escrito: o que está incluído, o que está excluído, e com que materiais/marcas/espessuras.
- Plano de fases e prazos: sequência de trabalhos, dependências (ex.: secagens), e o que acontece se houver atraso.
- Equipa e subempreitadas: quem executa, quem coordena, e se as subempreitadas são habituais ou “a ver quem aparece”.
- Garantias e assistência: garantia formal, tempo de resposta a defeitos e como se faz o registo.
- Obras anteriores verificáveis: contactos reais, visitas possíveis, e casos semelhantes ao seu (não só fotos).
- Gestão de alterações: como se orçamenta um extra, como se aprova, e como se evita que tudo vire extra.
O padrão repete-se: quem trabalha bem não tem medo de especificar. Quem trabalha “à sorte” prefere deixar espaço para interpretação.
Um método simples: comparar propostas como se fossem mapas, não números
Uma das formas mais eficazes de evitar discussões é obrigar todos a jogar no mesmo tabuleiro. Antes de pedir orçamento, faça (ou peça) um documento curto com uma lista de trabalhos e standards mínimos. Não precisa de ser um caderno de encargos de 80 páginas; precisa de ser claro.
Depois, quando as propostas chegarem, não as alinhe por total. Alinhe por perguntas:
- O que falta aqui? (itens não mencionados costumam aparecer mais tarde como custo)
- O que está vago? (“pintura geral”, “regularização”, “impermeabilização” sem sistema)
- O que está assumido? (andaimes, proteção de pavimentos, remoção de entulho, ligações elétricas)
- Quem responde? (nome do responsável, presença em obra, contacto único)
Há uma regra que evita muitas noites mal dormidas: se não conseguir explicar, em 30 segundos, o que está a comprar, então ainda não está a comprar - está a apostar.
Erros comuns (e muito humanos) na seleção de empreiteiros
O mais frequente não é ingenuidade; é cansaço. A pessoa quer resolver, não quer tornar-se especialista em construção. E é aí que aparecem as escolhas que doem.
- Decidir pela primeira conversa simpática: simpatia ajuda, mas não substitui método.
- Aceitar “orçamento por alto”: serve para estimativa, não serve para adjudicação.
- Não pedir cronograma realista: prazos impossíveis são um sinal, não uma promessa.
- Não definir como se pagam fases: adiantamentos sem marcos claros tornam a negociação assimétrica.
- Ignorar sinais de desorganização: atrasos na resposta, documentos confusos, contradições - quase nunca melhoram em obra.
Uma boa obra não é a ausência de problemas. É a presença de um processo que os resolve sem teatro.
Um mini-checklist para decidir com menos ansiedade esta semana
Se está a escolher agora, uma abordagem curta e prática costuma funcionar melhor do que uma “investigação sem fim”. Tente isto:
- Peça três referências e ligue a pelo menos duas, com perguntas concretas: prazos, extras, limpeza, pós-obra.
- Exija um orçamento com itens (mesmo que seja por blocos: demolições, preparação, instalações, acabamentos).
- Combine pagamentos por marcos: por exemplo, 20/30/30/20, associados a fases verificáveis.
- Confirme seguro e fatura/contrato (não por moralismo, mas por proteção quando algo falha).
- Faça uma pergunta que revela cultura: “Como é que gerem alterações em obra?”
A resposta importa mais do que o valor. Porque é nessa resposta que se ouve se a empresa tem sistema - ou apenas pressa.
| Sinal na proposta | O que costuma indicar | Risco típico |
|---|---|---|
| Muito barato e pouco detalhado | Itens omitidos ou materiais mais fracos | Extras, retrabalho, conflito |
| Detalhado e com exclusões claras | Processo e controlo | Menos surpresas |
| Prazo “curto demais” sem fases | Promessa comercial | Atrasos e pressão |
FAQ:
- O preço mais baixo é sempre mau sinal? Não. Pode ser eficiência, equipa própria ou margem mais curta. O sinal de risco é preço baixo com pouco detalhe e sem método de controlo.
- Devo escolher o empreiteiro com mais referências? Escolha o que tem referências verificáveis e semelhantes ao seu tipo de obra. Três obras parecidas valem mais do que vinte aleatórias.
- Um contrato simples chega? Na maioria dos casos, sim, desde que defina âmbito, prazos, pagamentos por marcos, garantias e gestão de alterações. O problema não é a poesia jurídica; é a falta de clareza.
- Como evito que “tudo vire extra”? Com uma lista de trabalhos (mesmo curta), decisões de materiais por escrito e um processo: extra só com orçamento prévio e aprovação assinada/mensagens registadas.
- Quantos orçamentos devo pedir? Três costuma ser o ponto de equilíbrio: dá comparação sem o arrasto de dezenas de conversas. Se os três divergem muito, o problema é o âmbito, não o mercado.
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