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Esta escolha define se a obra vai dar stress

Duas pessoas analisam plantas arquitetónicas numa mesa, rodeadas de amostras de materiais e cadernos.

Há uma frase que só aparece quando a obra começa: “Isto vai dar stress.” Muitas vezes, ela nasce antes do primeiro tijolo, na forma como a coordenação de projeto é pensada e aplicada, e na abordagem de gestão escolhida para guiar pessoas, prazos e decisões. Para quem vai construir, remodelar ou ampliar, esta escolha é relevante porque decide se o dia-a-dia da obra vai ser previsível - ou um desfile de surpresas, telefonemas e custos extra.

É fácil subestimar o tema porque, por fora, parece “só organização”. Por dentro, é o mecanismo que impede que um atraso vire efeito dominó e que um detalhe mal fechado vire retrabalho caro.

Porque é que algumas obras parecem sempre “em cima do joelho”

Por trás de uma obra tensa quase nunca está um único erro grande. Normalmente é uma sequência de micro-decisões sem dono: um pormenor que ficou “por ver”, um orçamento que não fechou bem, um empreiteiro à espera de resposta, um fornecedor que entrega “quando puder”.

Cada pequena falha cria fricção. A fricção come o tempo, o tempo come a margem, e a margem come a paciência de toda a gente. Quando dá por isso, o problema já não é o azulejo ou a tinta - é a sensação de que ninguém está a segurar o volante.

Uma obra não descarrila de repente. Ela vai perdendo controlo em silêncio, até ao dia em que tudo parece urgente.

A escolha que define o nível de stress: quem coordena e como decide

Há duas realidades muito comuns:

  • Coordenação “distribuída”: o dono de obra faz a ponte entre arquiteto, engenharias, empreiteiro e fornecedores, respondendo a dúvidas e aprovando alterações.
  • Coordenação assumida: existe uma coordenação de projeto clara (com autoridade e método) que fecha decisões, compatibiliza especialidades e prepara a execução para correr com menos improviso.

A diferença não é “ter mais reuniões”. É reduzir o número de decisões em cima do prazo e aumentar a qualidade das decisões feitas cedo.

Quando a coordenação falha, surgem sintomas típicos:

  • mapas de quantidades que não batem certo com o projeto;
  • pormenores construtivos resolvidos “em obra” porque não estavam desenhados;
  • especialidades a colidir (AVAC vs. tetos falsos, esgotos vs. vigas, iluminação vs. sancas);
  • alterações pedidas tarde, já com equipa montada e materiais encomendados.

O que uma boa coordenação de projeto faz (e quase ninguém vê)

A parte invisível é a que poupa mais dinheiro e nervos. Uma coordenação forte tende a fazer quatro coisas bem feitas, repetidamente:

1. Compatibiliza antes de doer

Não espera que o eletricista descubra em obra que não há espaço para o quadro, ou que o canalizador “invente” uma solução porque a pendente bate no tubo. Cruza arquitetura, estruturas e especialidades, e resolve conflitos em papel - onde corrigir custa pouco.

2. Fecha decisões com prazos reais

Materiais com long lead time, equipamentos, caixilharias, cozinhas: tudo isto precisa de decisão cedo. A coordenação traduz desejos em escolhas executáveis e cria um calendário de decisões para não andar sempre a correr atrás do prejuízo.

3. Mantém o projeto “construtível”

Há projetos bonitos que são difíceis de construir sem custos extra. A coordenação ajuda a transformar intenção em detalhe: juntas, remates, pendentes, tolerâncias, impermeabilizações, encontros de materiais. É aqui que se evita o “ficou diferente do que imaginávamos”.

4. Controla mudanças sem drama

Mudanças acontecem. O que destrói uma obra é a mudança sem controlo: sem preço, sem impacto no prazo, sem registo. Uma coordenação madura cria um processo simples para aprovar alterações sem gerar guerra em cada semana.

A abordagem de gestão: improviso simpático vs. sistema leve

Muita gente confunde “ser flexível” com “não ter sistema”. Flexibilidade sem método vira reatividade: responde-se ao que grita mais alto no dia.

Uma abordagem de gestão útil em obra não precisa de ser pesada. Precisa de ser consistente e verificável. Em termos práticos, costuma incluir:

  • um plano curto de obra (com fases e dependências claras);
  • uma lista semanal de bloqueios (o que está a impedir avanço e quem resolve);
  • um registo de decisões (o que foi decidido, por quem, e quando);
  • um circuito de validação para alterações (prazo + custo + impacto).

Isto parece básico. E é. É precisamente por ser básico que funciona quando a pressão sobe.

Sinais rápidos para perceber se está a escolher bem

Antes de contratar (ou de aceitar “vamos andando”), use perguntas que forçam clareza. Quem coordena bem não se ofende; responde com método.

  • Quem valida pormenores e compatibilizações entre especialidades?
  • Como é que são registadas decisões e alterações?
  • Em que momentos o dono de obra tem de decidir (e com quanta antecedência)?
  • Como é feito o controlo de prazo: há plano, marcos, revisões semanais?
  • Quando aparece um imprevisto, quem propõe opções e apresenta impacto em custo/prazo?

Se as respostas forem vagas, o stress está a ser empurrado para a obra - e para si.

O erro mais caro: confundir “mais barato” com “menos risco”

O custo da coordenação (em tempo ou em honorários) costuma doer no início, quando ainda não há pó nem barulho. O custo da falta de coordenação dói no fim, quando já há equipas paradas, material errado e decisões feitas em modo pânico.

Um bom teste mental é simples: prefere pagar por prevenção ou por urgência?

Situação Sem coordenação forte Com coordenação forte
Conflitos entre especialidades Descobertos em obra Resolvidos em projeto
Alterações Negociadas no calor do momento Avaliadas com impacto
Prazos “Logo se vê” Marcos e revisões

Como reduzir stress sem transformar a obra num laboratório

A obra precisa de ação, não de burocracia. O objetivo é um sistema mínimo que evita caos máximo. Se quiser manter leve, foque-se em três hábitos:

  • Reunião curta semanal (30–45 min): o que avançou, o que bloqueia, o que decide já.
  • Uma única fonte de verdade: pasta partilhada com versões datadas de desenhos, mapas e decisões.
  • Decisão com contexto: qualquer escolha vem com custo, prazo e alternativa - nem que seja estimado.

A maioria dos conflitos não nasce de má fé. Nasce de falta de alinhamento em tempo útil.

No fim, a obra é um problema de coordenação, não de sorte

Há obras com imprevistos que correm bem e obras “simples” que viram um desgaste diário. A diferença raramente está no azar; está na capacidade de coordenar e gerir o fluxo de decisões antes de ser tarde.

Escolher quem coordena - e que abordagem de gestão vai ser usada - é a decisão que mais influencia o nível de stress que vai sentir. E é uma das poucas que consegue controlar antes da obra começar.

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