Um acordo de construção raramente falha por falta de boa vontade; falha por falta de alinhamento de expectativas. A maior parte das discussões futuras nasce de um detalhe não dito, assumido ou “logo se vê” entre dono de obra e empreiteiro. Há uma pergunta simples que, feita no momento certo, evita semanas de tensão.
Imagine a obra a meio: prazos a escorregar, uma escolha de materiais por confirmar, e alguém a dizer “isso não estava incluído”. A partir daí, tudo fica pessoal. E o que era um trabalho passa a ser uma disputa.
Porque uma só pergunta muda o tom da obra
Antes de assinar, antes do sinal, antes da primeira demolição, pergunte:
Pergunta-chave: “O que é que, para si, não está incluído neste preço e neste prazo?”
Não é uma pergunta para “apanhar” ninguém. É uma pergunta para tirar o acordo do terreno das intenções e levá-lo para o terreno das fronteiras: o que está dentro, o que está fora e o que é opcional.
Quando esta pergunta aparece cedo, o empreiteiro tende a ser mais específico e o cliente tende a ouvir com menos ansiedade. O resultado é simples: menos surpresas, menos “extra”, menos conversas a quente no meio do pó.
O que esta pergunta revela (e que costuma dar problemas)
Há áreas cinzentas que se repetem em quase todas as obras. A pergunta “o que não está incluído?” obriga a nomeá-las.
Alguns exemplos típicos que aparecem na resposta:
- Remoção e depósito de entulho (quantidade, número de viagens, licenças).
- Reparações “descobertas” depois de abrir (humidades, instalações antigas, vigas).
- Pinturas finais, afinações, silicone, remates e limpeza de fim de obra.
- Fornecimento vs. aplicação (quem compra torneiras, mosaicos, iluminação).
- Projetos, taxas, fiscalização, certificações (e quem trata do quê).
- Prazos dependentes de terceiros (caixilharia, carpintaria, elevadores, condomínio).
Se a resposta for vaga (“isso logo se vê”), é um sinal útil. Não significa má-fé, mas significa risco. E risco pede escrita.
Como transformar a resposta em alinhamento de expectativas
Ouça a lista, confirme e passe para papel. Não precisa de juridiquês: precisa de clareza operacional. Uma boa regra é fechar sempre três pontos: escopo, custo e tempo.
Faça um mini-fecho em conversa, ainda antes do contrato final:
- “Então, ficam fora X e Y; se eu quiser, orçamenta-se à parte.”
- “Se aparecer Z (imprevisto), paramos e valida-se preço e prazo antes de avançar.”
- “Para não haver dúvidas, isto vai para o acordo de construção como exclusões.”
E depois escreva mesmo. A memória é o primeiro material que falha em obra.
Checklist rápido para anexar ao acordo
- Exclusões: lista curta do que não está incluído (com exemplos).
- Opções: itens que podem entrar, com preço unitário ou intervalo.
- Critérios de “concluído”: o que conta como obra entregue (remates, limpeza, testes).
- Prazos com gatilhos: o que pausa o prazo (falta de decisão, atrasos de fornecimento).
Cenário concreto: 2 minutos antes da assinatura
Um casal pede orçamento para remodelar cozinha e WC. O valor parece fechado e o prazo “8 semanas”. Fazem a pergunta: “O que não está incluído?”
O empreiteiro responde: “Não inclui troca do quadro elétrico, nem reparação de humidade se aparecer atrás do duche, nem levantamento do pavimento da sala se decidirem igualar cotas.” De repente, o orçamento deixa de ser “caro ou barato” e passa a ser compreensível.
No acordo de construção, acrescentam exclusões e uma tabela simples de preços para extras frequentes. O prazo mantém-se, mas com uma nota: decisões de revestimentos têm de estar fechadas até à semana 2. Não evita imprevistos, mas evita discussões sobre quem “tinha de saber”.
Sinais de que precisa de parar e clarificar já
Nem sempre há tempo para longas reuniões, mas há frases que valem um travão curto. Se ouvir isto, volte à pergunta e peça detalhe:
- “Inclui tudo” (sem especificar o que é “tudo”).
- “Depois vemos” (sem processo de aprovação).
- “Isso é barato, faz-se” (sem preço e sem impacto no prazo).
- “O material é à escolha” (sem orçamento-base, marcas ou gamas).
A obra não corre mal no dia em que aparece o problema. Corre mal no dia em que ninguém sabe como decidir o problema.
O essencial: uma pergunta, um hábito
Perguntar “o que não está incluído?” cria um alinhamento de expectativas realista. Dá espaço para dizer “não sabia”, antes de haver martelos, ruído e compromissos assumidos.
E quando a resposta fica escrita no acordo de construção, a conversa deixa de ser sobre quem tem razão. Passa a ser sobre o que foi combinado - e como avançar.
Comentários (0)
Ainda não há comentários. Seja o primeiro!
Deixar um comentário