Saltar para o conteúdo

Este detalhe aparentemente pequeno muda completamente a relação com o empreiteiro

Dois homens conversam sobre um contrato em cima de uma mesa de madeira, com fita adesiva e telefone ao lado.

Acontece numa cozinha com pó no ar e um rolo de fita métrica em cima da bancada: a obra “é simples”, o prazo “é duas semanas”, e toda a gente quer acreditar. É aqui que a relação de prestador de serviços começa a ganhar atrito, não por má-fé, mas por falta de gestão de expectativas - o que cada um acha que está incluído, o que “fica para depois”, e o que afinal vai aparecer na fatura. Um detalhe aparentemente pequeno evita 80% destes choques: pôr por escrito o que não está incluído, antes do primeiro prego.

O cenário é familiar. O empreiteiro diz “faço isso”, o cliente ouve “faço tudo”, e a obra avança com promessas vagas a servir de cola. Até ao dia em que surge a frase que mata a paz: “Isso não estava no orçamento.”

O detalhe que muda o jogo: a lista do “fora do âmbito”

Chame-lhe “exclusões”, “fora do âmbito” ou “não incluído”. A ideia é a mesma: um bloco curto no orçamento/contrato que diga, de forma explícita, o que aquele preço não cobre. Parece burocracia, mas é a forma mais rápida de alinhar realidades.

Exemplo muito concreto. Remodelação de casa de banho por 6.500 €. O cliente assume que inclui: remoção de entulho, impermeabilização, torneiras, espelho, móvel e pintar o teto do corredor “porque ficou sujo”. O empreiteiro assume: mão-de-obra e assentamento, com materiais base e sem mexer na canalização. Quando chega a hora do espelho e do móvel, vem a surpresa. E a surpresa vira ressentimento.

A lista do “fora do âmbito” não serve para o empreiteiro fugir a responsabilidades. Serve para ambos saberem onde termina o “incluído” e onde começa a conversa de “trabalho a mais” - com preço, prazo e aprovação.

Porque é que isto protege os dois lados (e evita guerras por WhatsApp)

Sem este detalhe, a obra vive de subentendidos. E subentendidos são ótimos a criar mal-entendidos, sobretudo quando há stress, barulho e decisões rápidas.

Quando o “não incluído” está escrito, acontece algo quase mágico: as perguntas surgem cedo. O cliente pergunta “entulho é à parte?”, o empreiteiro responde com números, e ninguém se sente enganado duas semanas depois. A relação fica mais adulta, menos emocional.

E há um efeito colateral útil: reduz a tendência de “já agora”. Aquele pedido inocente - “já agora vê-me ali uma coisa” - deixa de entrar pela porta das traseiras, porque passa a ter um sítio claro: ou estava no âmbito, ou é aditamento.

“A maior parte das discussões na obra não é sobre o azulejo. É sobre o que cada um achou que vinha ‘no pacote’.” - um gestor de obra que já viu de tudo

Como escrever o “fora do âmbito” sem matar a venda (nem ofender)

Não precisa de um documento de 20 páginas. Precisa de 10 linhas honestas, ajustadas ao tipo de obra. O tom importa: claro, neutro, sem sarcasmo, sem “se quiser, paga”.

Um modelo simples funciona melhor do que frases vagas. Compare:

  • Vago: “Não inclui extras.”
  • Útil: “Não inclui: remoção de amianto; reparações estruturais não visíveis; alteração de canalização fora do WC; fornecimento de torneiras/móvel; pintura de áreas adjacentes; taxas de licenças; transporte e deposição de entulho.”

E atenção ao que costuma explodir mais tarde. Numa obra típica, as exclusões que mais evitam conflitos são:

  • Preparação e reparação de paredes “surpresa” (humidade, mofo, rebocos a cair)
  • Trabalhos em eletricidade/canalização “fora da zona”
  • Fornecimento de materiais de acabamento (torneiras, sanitários, iluminação, eletrodomésticos)
  • Entulho, contentor, transporte e vazadouro
  • Licenças, taxas de condomínio, ocupação de via pública
  • Pinturas e retoques fora da divisão intervencionada
  • Limpeza final “para entrega” vs limpeza diária de estaleiro

Quanto mais específico, menos espaço para interpretações criativas.

A peça que falta: aditamentos com preço e prazo (antes de executar)

O “fora do âmbito” funciona quando vem acompanhado da regra seguinte: nenhum trabalho extra avança sem aditamento aprovado. A palavra “aditamento” assusta, mas é só um mini-acordo: descrição + preço + impacto no prazo.

Um exemplo realista. Durante a demolição, aparecem tubos antigos e a coluna está em mau estado. Não é culpa de ninguém. Se existir um processo, a conversa é curta: “isto não estava incluído, aqui vai o aditamento: X €, mais Y dias, aprova?” Se não existir, a conversa vira acusação: “você devia ter previsto”, “você está a inventar”.

Uma regra prática que salva relações: 1. Identificar o extra (com fotos, se possível) 2. Propor solução e custo 3. Indicar impacto no calendário 4. Aprovar por escrito (email/assinatura) 5. Executar

Parece frio, mas é o que torna a obra suportável para todos.

O que isto muda na relação (na prática, não na teoria)

Com exclusões e aditamentos, a relação de prestador de serviços deixa de depender de “confiança cega” e passa a depender de um mapa comum. Confiança continua a ser importante - mas não é usada como substituto de clarificação.

Para o cliente, muda a sensação de estar sempre a ser “surpreendido”. Para o empreiteiro, muda a sensação de estar sempre a fazer “favores” que nunca são reconhecidos. E para ambos, a gestão de expectativas deixa de ser um discurso bonito e passa a ser um mecanismo.

Ponto-chave Detalhe Ganho imediato
Lista de exclusões “Fora do âmbito” escrito no orçamento Menos discussões sobre “incluía, não incluía”
Aditamentos Preço + prazo antes de executar extras Menos derrapagens e ressentimento
Especificidade Materiais, entulho, licenças, retoques Menos ambiguidades perigosas

FAQ:

  • O “fora do âmbito” não é um truque para encarecer a obra? Não, se for honesto e específico. Serve para separar o preço base dos trabalhos que dependem de escolhas do cliente ou de surpresas do imóvel.
  • E se eu não souber o que excluir? Comece pelo que mais falha: materiais de acabamento, entulho, licenças, alterações fora da área intervencionada e reparações ocultas. Peça ao empreiteiro para listar as exclusões típicas daquela obra.
  • Basta trocar mensagens no WhatsApp? Ajuda, mas o ideal é anexar ao orçamento/contrato e aprovar aditamentos por escrito, com valores e prazos. Quanto mais fácil de arquivar, melhor.
  • Como evitar que o empreiteiro use “extra” para tudo? Com um âmbito bem descrito (o que está incluído) e exclusões claras. O extra tem de ser algo objetivamente fora dessa descrição, não uma mudança de opinião.

Comentários (0)

Ainda não há comentários. Seja o primeiro!

Deixar um comentário