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Este detalhe explica porque tantas obras precisam de correções depois

Homem de colete verifica plantas de construção, enquanto três trabalhadores ao fundo discutem. Mesa com carimbo e prancheta.

Em muitos trabalhos de construção, o dinheiro “perdido” não está no betão nem no aço - está no que se refaz. Quando se olha com calma para as causas de retrabalho, há um detalhe que aparece vezes demais: a informação não chega ao estaleiro no mesmo estado em que saiu do projeto. E esse desfasamento, pequeno no papel, vira correções grandes na obra.

Já vi isto acontecer na hora em que a equipa está pronta para avançar e alguém pergunta: “Mas a cota é esta ou a do desenho antigo?” Ninguém está a ser difícil. O problema é que, sem um ponto único de verdade, a obra começa a construir em versões.

O detalhe que passa despercebido: “qual é a versão certa?”

Não é falta de competência técnica. É falta de controlo do fluxo. Em obra, decisões são tomadas em minutos: onde passa a tubagem, que espessura tem a camada, como se resolve um encontro entre especialidades. Se a equipa recebe um desenho revisto por email, outro impresso numa pasta e um terceiro “confirmado” por telefone, o erro mais provável é fazer bem… a coisa errada.

O retrabalho, aqui, não nasce de uma execução fraca. Nasce de uma execução coerente com informação desatualizada.

Se há várias versões a circular, mais cedo ou mais tarde alguém constrói a versão errada - e depois paga-se duas vezes.

Como isso se manifesta no dia a dia (sem drama, só rotina)

  • Um pormenor de armaduras revisto que não chega ao ferreiro a tempo.
  • Uma alteração de caixilharia que está no caderno de encargos, mas não está nos desenhos.
  • Uma “pequena” mudança de traçado de AVAC que invade o espaço da elétrica.
  • Uma nota de obra que fica no WhatsApp do encarregado e nunca entra no registo formal.

Nenhuma destas situações parece catastrófica isoladamente. Juntas, explicam porque tantas obras entram num ciclo de correções.

As causas de retrabalho mais comuns que se escondem atrás desse detalhe

Quando se diz “houve retrabalho”, costuma soar a falha de execução. Mas na prática, a origem é frequentemente documental e processual. O detalhe da versão certa puxa um fio que desfia vários problemas.

1) RFI tardio e decisões sem rasto

Quando uma dúvida fica “resolvida” verbalmente, ganha velocidade - e perde rastreabilidade. Sem um RFI (pedido de esclarecimento) fechado e comunicado, a solução não chega a todos, e não fica claro o que mudou.

O resultado típico é uma equipa a trabalhar com um pressuposto, outra com outro, e a compatibilização só acontece quando já está construído.

2) Compatibilização incompleta entre especialidades

A arquitetura pode estar certa. As especialidades também. O conflito aparece no encontro entre ambas: alturas, atravessamentos, reservas, pendentes, cotas. Se a obra recebe peças por fases, sem uma revisão global e publicada como “pacote”, a equipa monta o puzzle com peças de caixas diferentes.

E o edifício não perdoa: tudo cabe no AutoCAD; no teto falso, não.

3) Alterações “pequenas” que não acionam uma revisão formal

Há mudanças que parecem insignificantes: deslocar um ponto de água, trocar uma luminária, ajustar uma espessura. Só que pequenas alterações deslocam cascatas: furos, reforços, remates, tolerâncias, medições.

Quando essas mudanças não geram revisão, carimbo e distribuição controlada, viram boatos operacionais.

Um checklist rápido para reduzir retrabalho amanhã (não “um dia”)

Não precisa de um sistema perfeito para melhorar já. Precisa de regras simples e consistentes, aplicadas todos os dias.

  • Definir um repositório único (mesmo que seja uma pasta partilhada bem organizada) e proibir “desenhos soltos”.
  • Nomear ficheiros com versão e data de forma obrigatória (e igual para todos).
  • Exigir que qualquer alteração tenha: revisão, motivo, responsável e lista de distribuição.
  • Fazer uma reunião curta de “publicação de revisão” antes de executar frentes críticas.
  • Garantir que o impresso em obra tem um carimbo visível: REV + DATA + “válido para construção”.

Se isto parecer burocracia, compare com o custo de demolir, remover entulho, refazer e atrasar equipas em cadeia.

Como responder quando já aconteceu (sem culpados, com método)

Quando se descobre que foi executada a versão errada, o pior é entrar em modo caça às bruxas. O melhor é fechar o ciclo com clareza - e evitar repetição.

  1. Identificar qual documento foi usado e de onde veio (origem real, não “achava que era esse”).
  2. Confirmar a versão correta e formalizar a decisão (registo fechado).
  3. Avaliar impacto: segurança, conformidade, prazo, custos, interfaces.
  4. Corrigir e, no fim, ajustar o processo de distribuição para não voltar a acontecer.
Situação em obra Sinal de alerta Melhor ação
Equipa com desenhos impressos “antigos” Datas/revisões diferentes no estaleiro Recolher impressos e republicar pacote
Alteração decidida em reunião Não existe registo acessível Criar nota formal e distribuir
Conflitos entre especialidades Interferências repetidas Rever compatibilização antes da execução

O que fica: a obra não falha só na execução - falha na transmissão

Trabalhos de construção vivem de ritmo e confiança: alguém decide, alguém executa, alguém valida. Quando a informação muda e não muda “para todos ao mesmo tempo”, o retrabalho deixa de ser azar e passa a ser estatística.

O detalhe é simples e quase invisível: controlar versões e distribuição como se fosse uma tarefa de produção, não de escritório. Porque, no fim, é isso mesmo.

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