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Este detalhe no início evita discussões no final da obra

Dois homens inspecionam azulejos numa cozinha, com prancheta e nível de bolha sobre o balcão de madeira.

A meio de qualquer obra, há um momento em que o ar muda. Já não se discute o azulejo ou a cor da tinta: discute-se se a conclusão do projeto “está feita” ou “ainda falta qualquer coisa”. O detalhe que evita esse braço-de-ferro é simples e quase sempre ignorado: escrever critérios de aceitação claros, antes de começar, e usá-los como régua no fecho.

Parece burocracia, mas é proteção. Quando toda a gente sabe como vai ser medido o fim, o fim deixa de ser uma opinião. E, numa obra, menos opiniões em cima do joelho significa menos mensagens às 22h, menos “isto não foi o combinado” e menos retenções de pagamento por irritação.

O conflito típico não nasce no final - nasce no primeiro dia

O cenário repete-se: dono de obra quer “um acabamento impecável”, empreiteiro promete “fica top”, arquiteto assume “isso está no detalhe”. Sem critérios de aceitação, estas frases são simpatia, não são contrato. A obra avança e cada um vai imaginando um “fim” diferente.

Depois chega a vistoria. O que para um é “normal em obra”, para outro é “defeito”. O que para um é “tolerância”, para outro é “falta de cuidado”. A discussão não começa por maldade; começa por ausência de um acordo verificável.

O objetivo não é desconfiar de ninguém. É evitar que a confiança seja testada no último dia.

O “detalhe” que muda tudo: transformar expectativas em verificações

Critérios de aceitação são frases objetivas que respondem a uma pergunta específica: o que tem de estar verdadeiro para eu assinar como concluído? Não substituem o projeto, complementam-no onde o projeto costuma ser ambíguo: acabamentos, alinhamentos, limpeza, testes, documentação e correções.

O truque é escrever critérios que alguém consiga confirmar sem discutir intenções. “Bonito” não dá. “Sem riscos visíveis a 1 metro de distância, com luz natural” já começa a dar. “Porta fecha sem raspar e sem esforço” dá muito.

Como escrever critérios de aceitação sem criar guerra (nem um livro)

Se fizer uma lista interminável, vai travar a obra e criar resistência. Se fizer uma lista vaga, não serve para nada. O ponto certo é curto, focado e ligado ao que costuma dar conflito.

Use esta estrutura:

  • Elemento (o quê): pintura, pavimento, portas, base de duche, armários, iluminação.
  • Condição verificável (como se confirma): nível, alinhamento, funcionamento, ausência de folgas, testes.
  • Condições de observação (quando/onde): com luz ligada, após secagem, com silicone curado, com acessórios montados.
  • Documentos/entregáveis (o que fica): fichas técnicas, manuais, garantias, certificados, “as-built”.

Exemplos que evitam discussões reais

  • Pintura: sem escorridos; cobertura homogénea; retoques feitos após instalação de rodapés e portas; inspeção com luz rasante à tarde.
  • Pavimento flutuante: sem “som oco” nas zonas de passagem; juntas uniformes; rodapés sem frestas visíveis.
  • Base de duche: teste de escoamento com 10 litros de água; sem retorno; silicone contínuo e curado, sem falhas.
  • Armários de cozinha: portas alinhadas; ferragens reguladas; gavetas a correr sem ruído; bancada selada nas junções.
  • Elétrica: todos os circuitos identificados no quadro; testes de diferenciais; pontos de luz conforme planta e altura acordada.

O método mais limpo: critérios por divisão + uma vistoria em duas fases

Uma forma prática de não deixar nada para “o fim” é aceitar por etapas. Não é para pagar tudo a meio; é para não acumular problemas escondidos atrás de acabamentos.

  1. Pré-fecho (antes de tapar): elétrico, canalização, impermeabilizações, isolamentos. Aqui entram fotos datadas e testes (pressão, estanquidade, continuidade).
  2. Fecho (acabamentos): pintura final, ajustes de portas, siliconagem, limpeza, funcionamento.

Se algo falha na fase 1, corrige-se quando ainda é barato e rápido. Se só se deteta na conclusão, a correção implica partir, atrasar e discutir quem paga.

Tal como num relacionamento saudável, uma “pausa de reparação” a meio evita explosões no fim: resolve-se cedo, em vez de se acumular silêncio.

Checklist curto para a conclusão do projeto (o que pedir e como validar)

Leve uma lista curta para a vistoria final e trate-a como um guião, não como um ataque. O tom muda tudo: “vamos validar” em vez de “vou procurar defeitos”.

  • Teste de funcionamento: torneiras, autoclismos, exaustores, tomadas, estores, iluminação, eletrodomésticos integrados.
  • Acabamentos à vista: cantos, juntas, siliconagens, remates em torno de vãos, alinhamentos.
  • Limpeza e proteção: obra entregue sem pó de corte, sem cola, sem manchas em caixilharias; proteções retiradas.
  • Documentação: garantias, fichas técnicas, certificados (quando aplicável), contactos de assistência, lista de materiais e cores.

Erros que tornam os critérios inúteis (e como evitar)

  • Escrever “perfeito” ou “sem defeitos”. Troque por condições observáveis e tolerâncias razoáveis.
  • Só definir no último mês. Critérios têm de existir antes de iniciar o trabalho relevante, ou viram arma.
  • Não combinar como se mede. Luz, distância, tempo de cura e condições de teste fazem diferença.
  • Não registar alterações. Cada “já agora” deve virar nota escrita (mensagem serve) com impacto em prazo e custo.

Um mini-modelo de critérios de aceitação (copiar e adaptar)

  • Considera-se concluído quando:
    1) todos os elementos da lista por divisão estiverem conformes;
    2) os testes acordados forem realizados e registados;
    3) a documentação for entregue;
    4) a lista de pendências (se existir) estiver datada e com prazo de fecho.

E, se quiser mesmo evitar o atrito final, junte uma regra simples: pendências pequenas não travam a assinatura, mas travam a retenção. Assim, ninguém fica refém de um pormenor, e o pormenor não fica esquecido.

FAQ:

  • Como defino critérios de aceitação sem parecer desconfiado? Apresente-os como “forma de validar e fechar sem ruído”, e escreva-os em linguagem neutra e verificável, não acusatória.
  • Isto serve em obras pequenas (remodelação de WC, cozinha)? Serve ainda mais, porque os conflitos costumam estar nos acabamentos e nos testes (impermeabilização, escoamento, remates).
  • Preciso de tolerâncias técnicas (milímetros, normas)? Só nas zonas críticas. Em muitos pontos basta definir método de verificação (alinhado, fecha sem raspar, sem frestas visíveis a X distância e luz).
  • E se aparecerem coisas fora dos critérios, mas que me incomodam? Acrescente um critério por escrito assim que for identificado e antes de avançar para a fase seguinte, para não virar “surpresa” no final.

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