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Este erro comum torna impossível cumprir prazos realistas

Homem de colete refletor em obra, escreve em plantas com post-its, capacete e café ao lado, outros trabalhadores ao fundo.

O problema começa de forma inocente: abre-se o cronograma de construção para alinhar equipas, compras e entregas, e alguém sugere um agendamento irrealista “só para termos uma meta”. Faz sentido no momento, porque dá a sensação de controlo e agrada a quem quer datas rápidas. Mas é precisamente aí que os prazos realistas deixam de ser possíveis, não por falta de esforço, e sim porque o sistema passa a trabalhar contra si.

Numa obra, as datas não são desejos. São promessas encadeadas: se uma falha, a seguinte paga. E quando o plano nasce apertado demais, a obra não “acelera”; ela desorganiza-se.

O erro comum: confundir cronograma com desejo

Há uma diferença enorme entre “o que seria ótimo” e “o que é provável”. Um cronograma saudável nasce de sequências, capacidades e riscos. Um cronograma otimista nasce de pressão, esperança e uma frase que parece inofensiva: “Depois recuperamos.”

O agendamento irrealista costuma entrar por duas portas. A primeira é a de ignorar dependências - marcar tarefas em paralelo como se não partilhassem recursos, acessos, cura de materiais ou aprovações. A segunda é mais subtil: assumir que tudo corre bem ao mesmo tempo, durante semanas, com zero interrupções.

E numa obra real isso quase nunca acontece. Há chuva, atrasos de fornecedor, retrabalho, fiscalizações, decisões do dono de obra que chegam tarde, e uma equipa que não é elástica como um calendário.

Um cronograma não falha porque “as pessoas não se esforçaram”. Falha porque foi desenhado como se o mundo não tivesse atrito.

Como o agendamento irrealista destrói prazos (mesmo quando toda a gente tenta)

O efeito mais perigoso não é o atraso. É a cascata.

Quando se comprime o plano, começam as trocas de prioridade diárias. A equipa de instalações entra antes do tempo “só para adiantar”, mas encontra frentes incompletas. O acabamento faz remendos em vez de concluir áreas. A qualidade cai, surgem não conformidades, e o que parecia velocidade transforma-se em ciclos.

E há um custo invisível: a obra passa a viver de exceções. Em vez de gerir um fluxo, gere-se uma crise permanente.

Os sinais de que o cronograma já nasceu impossível

Nem sempre é óbvio no papel, porque o Gantt pode estar lindo. Mas na vida real aparecem pistas:

  • A mesma equipa está alocada a três frentes na mesma semana “porque dá”.
  • Não existem folgas entre atividades críticas (zero buffer).
  • Entregas de materiais “chegam na segunda” sem lead time e sem plano B.
  • Aprovações (submittals, amostras, desenhos) aparecem como detalhes, não como caminho crítico.
  • A data final foi definida antes de existir sequência e produtividade estimada.

Se isto lhe soa familiar, o cronograma pode estar a servir de cartaz - e não de ferramenta.

A origem do problema: planeamento sem capacidade (e sem riscos)

Muita gente faz cronogramas por tarefas. Pouca gente faz por capacidade.

Capacidade é simples de dizer e chata de medir: quantos metros quadrados por dia a equipa consegue realmente fazer naquele contexto, com aquele acesso, com aquela logística, com aquelas interferências. Sem isso, a duração vira “palpite educado”. E com pressão, o palpite encolhe.

Risco é o que separa o “plano” do “plano que aguenta pancada”. Sem riscos mapeados, qualquer evento normal da construção vira surpresa. E surpresa num cronograma apertado vira atraso inevitável.

Um exemplo rápido (que acontece todos os dias)

Imagine a sequência: impermeabilização → cura → testes → proteção mecânica → betonilha → assentamento.

Num agendamento irrealista, a cura vira “um dia”, os testes “meio dia”, e a betonilha entra como se não dependesse de humidade, temperatura, disponibilidade de laboratório ou agenda do responsável. No papel, ganhou-se uma semana. Na prática, perdeu-se duas, porque refaz-se o que apodreceu, soltou ou infiltrou.

O cronograma não ficou “mais agressivo”. Ficou mais caro.

Como corrigir sem transformar a obra num debate infinito

A solução não é fazer um cronograma pessimista. É fazer um cronograma defendável.

Comece por trocar a pergunta “qual é a data?” por “o que tem de ser verdade para esta data ser possível?”. Depois, ajuste o plano com três movimentos objetivos:

  1. Sequencie por dependências reais, não por conveniência (liberação de frentes, aprovações, cura, testes, inspeções).
  2. Planeie por produtividade e recursos, com limites claros (uma equipa não está em três sítios ao mesmo tempo).
  3. Coloque folgas onde o risco mora, não espalhadas ao acaso (buffers em entregas críticas, atividades com variabilidade, interfaces entre subempreiteiros).

Se precisar de um critério simples: folga não é “gordura”; é amortecedor. Sem amortecedor, qualquer vibração parte o sistema.

Um mini-checklist para validar o seu cronograma

Antes de o “fechar”, confirme:

  • O caminho crítico inclui aprovações e compras, não só execução.
  • Há tempo explícito para retrabalho provável (não o ideal).
  • As equipas têm mobilização e desmobilização consideradas (não aparecem por magia).
  • As atividades têm critérios de conclusão claros (“pronto” não é “quase pronto”).
  • As interfaces entre disciplinas têm janelas, não sobreposições cegas.

Pequenas correções aqui evitam semanas de improviso depois.

O que muda quando o cronograma fica realista

Curiosamente, um cronograma realista costuma parecer mais lento no início. Depois, ele ganha.

Porque as equipas param menos, voltam menos atrás, esperam menos por material, e discutem menos “quem é que atrapalhou quem”. O controlo deixa de ser perseguição a datas e vira gestão do fluxo.

E existe um efeito humano que raramente se assume: quando o plano é impossível, as pessoas deixam de acreditar. Quando é difícil mas plausível, elas cooperam com ele.

Métricas simples que ajudam a proteger a data final

Não precisa de uma torre de controlo para melhorar a previsibilidade. Basta acompanhar:

  • Percentagem de tarefas concluídas como planeado (semanal).
  • Causas de não cumprimento (top 3 recorrentes).
  • Lead time real de compras críticas vs. o assumido no cronograma.
  • Horas gastas em retrabalho (tendência, não perfeição).

O objetivo não é punir falhas. É descobrir onde o plano está a mentir.

No fim, o erro não é “errar a data”. É errar a lógica.

Um cronograma de construção é um mapa de decisões e dependências, não uma lista de desejos bem formatada. O agendamento irrealista pode até impressionar numa reunião, mas cobra a conta no estaleiro, onde a física e a logística não negociam.

Se quer cumprir prazos realistas, não comece por prometer mais. Comece por planear melhor - com capacidade, risco e espaço para a obra ser… uma obra.

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