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Este erro custa meses — não euros

Dois homens olhando para planos de construção numa mesa, um usa capacete. Computador e café ao lado.

Há um momento silencioso em quase todas as obras: o cronograma de construção está “quase pronto”, os prazos parecem razoáveis e toda a gente quer avançar. Dias depois, começam os atrasos - não por falta de esforço, mas porque um detalhe que parecia pequeno abriu uma fissura no plano. E esse é o tipo de erro que não custa euros; custa meses.

A parte mais frustrante é que não tem ar de erro. Vem embalado em bom senso, em pressa, em “vamos já começar e depois afinamos”. Só que um cronograma é menos uma lista de datas e mais um sistema de dependências - e quando uma dependência falha, o resto cai como dominó.

O erro que parece “normal”: começar sem caminho crítico

Muita gente trata o cronograma como um calendário bonito para mostrar ao cliente, ao banco ou ao dono de obra. Colocam-se tarefas numa sequência lógica, dá-se uma duração “média”, e fica feito. O problema é que um cronograma assim não diz o essencial: o que não pode atrasar um dia sem empurrar a entrega final.

O caminho crítico é isso mesmo: a cadeia de atividades que determina a data de conclusão. Se não o identifica (e não o valida com a equipa e com o empreiteiro), acaba a gerir por instinto. E gerir por instinto, numa obra, é uma forma elegante de descobrir atrasos quando já é tarde.

Como o erro se manifesta no terreno

É discreto no papel, mas barulhento na obra. Eis o padrão típico:

  • A estrutura “corre bem”, então decide-se avançar com outras frentes.
  • As especialidades chegam com desenhos incompletos ou decisões por fechar.
  • As encomendas longas (caixilharias, elevador, AVAC, carpintarias) são tratadas como “logo se vê”.
  • No fim, tudo depende de uma peça que não chegou, de uma aprovação que não aconteceu, ou de um ensaio que ninguém agendou.

O resultado raramente é um grande desastre num dia. É um arrastar de pequenas paragens que, somadas, viram semanas. E depois meses.

Porque “trabalhar em paralelo” nem sempre acelera - às vezes trava

Há uma certa sedução em dizer: “fazemos já isto enquanto esperamos por aquilo”. Funciona em tarefas independentes. Mas em obra, muita coisa só parece independente até ao momento em que precisa de uma medição final, de um espaço livre, de uma inspeção, de uma fachada fechada, de energia definitiva.

Quando se tenta pôr tudo a andar sem um caminho crítico claro, cria-se concorrência por recursos: a mesma equipa, o mesmo andaime, o mesmo acesso, o mesmo grua, a mesma janela de entrega. O cronograma mantém-se “igual” no Excel, mas a realidade começa a empurrar.

O mito da folga escondida

Outro clássico: a folga existe, mas está mal distribuída. Algumas atividades têm margem real e outras não têm nenhuma, só que no plano parecem equivalentes. A obra paga essa confusão com bloqueios nos pontos finais: acabamentos, ensaios, ligações, vistorias e receções.

O que realmente rouba meses: dependências que ninguém escreveu

Há tarefas que toda a gente lembra. Há outras que ficam implícitas e são precisamente as que estouram prazos.

Pense em dependências “invisíveis” que, se não estiverem no cronograma, aparecem como surpresa:

  • Aprovações e decisões: amostras, cores, soluções de detalhe, alterações do cliente.
  • Lead times: fabrico e transporte de materiais fora de stock.
  • Interfaces entre especialidades: passagens, cotas, compatibilização, testes.
  • Inspeções e ensaios: ITED, gás, pressão, estanquidade, acústica, SCIE (quando aplicável).
  • Condições de arranque: energia e água de obra, acessos, frentes livres, andaimes montados.

Quando estas peças não estão escritas, ninguém as “possui”. E o que não tem dono, não tem data real.

Um cronograma útil não é mais complexo - é mais honesto

Não precisa de um plano gigante para ser bom. Precisa de um plano que assuma a realidade: durações plausíveis, restrições explícitas, marcos verificáveis e responsabilidades claras.

Uma regra prática: se uma atividade não tiver um critério de “concluído” que se possa confirmar em obra, ela não está pronta para entrar no cronograma. “Instalações elétricas” não chega; “1.º fixo concluído no piso 1, com teste de continuidade” já obriga a pensar.

Checklist curto para evitar o erro (sem reinventar a obra)

Antes de congelar datas e prometer entregas, confirme estas cinco coisas:

  1. Caminho crítico identificado (e revisto quando houver alterações).
  2. Entregas longas mapeadas com data de encomenda, fabrico, chegada e instalação.
  3. Marcos de decisão do cliente com prazos (e consequências se falharem).
  4. Interfaces entre equipas explicitadas (quem depende de quem e para quê).
  5. Buffers conscientes onde a variabilidade é alta (licenças, fornecedores, meteorologia, testes).

Isto não elimina atrasos. Mas impede que eles apareçam como “azar” quando eram previsíveis.

O sinal de alerta: quando o cronograma só serve para justificar, não para gerir

Se o plano só é aberto em reunião para explicar por que motivo estamos atrasados, ele já perdeu a função. Um cronograma de construção saudável é usado para decidir hoje: o que desbloqueia amanhã, o que precisa de compra agora, e o que não pode escorregar.

E há uma pergunta simples que expõe tudo: “Qual é a próxima atividade que, se falhar esta semana, mexe na data final?” Se ninguém souber responder sem olhar para um caminho crítico, está aí o erro que custa meses.

Pequenas correções que mudam o jogo (a tempo)

A boa notícia é que, mesmo com a obra em curso, dá para recuperar controlo sem teatro. Não é preciso “refazer tudo”, é preciso tornar o plano utilizável.

  • Faça uma revisão de 60 minutos com quem decide e quem executa: listar bloqueios reais e dependências.
  • Transforme o cronograma num plano de 3 semanas (lookahead) com tarefas prontas a executar.
  • Crie uma lista de decisões pendentes com data e responsável - e trate-a como atividade crítica.
  • Atualize o progresso com base em concluído verificável, não em “quase”.

Porque, no fim, o que encurta uma obra não é pressão. É clareza. E a clareza começa no ponto em que o cronograma deixa de ser um desejo e passa a ser um mapa.

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