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Este erro psicológico leva pessoas inteligentes a contratar mal

Mulher de camisa jeans verifica lista numa casa de banho em renovação, enquanto um homem gesticula ao fundo.

Há um momento estranho na seleção de empreiteiros em que pessoas inteligentes, cuidadosas e até experientes começam a decidir com o estômago. Um viés cognitivo muito comum transforma meia hora de conversa “fluida” numa sensação de certeza - e, semanas depois, essa certeza aparece em derrapagens de prazo, extras inesperados e acabamentos medíocres. O problema é que, quando a obra começa, já não está a contratar uma pessoa: está a contratar um sistema de trabalho.

A cena repete-se em remodelações, telhados, cozinhas e até pequenas reparações. O empreiteiro simpático, confiante, que “resolve tudo”, ganha terreno antes de ter provado que consegue entregar.

O erro não é confiar. É confundir confiança com competência.

O viés chama-se, na prática, “efeito halo”: um traço forte e visível (carisma, boa comunicação, rapidez na resposta, aparência profissional) contamina a nossa avaliação do resto. Se ele fala bem, parece organizado. Se parece organizado, deve ser rigoroso. Se é rigoroso, vai cumprir prazos. O cérebro adora este atalho porque poupa trabalho.

O problema é que obras são um jogo de detalhes invisíveis. O que interessa não é só “saber falar” - é saber planear, orçamentar, gerir subempreiteiros, prevenir erros, comunicar por escrito e assumir responsabilidade quando algo corre mal. E isso raramente se vê numa conversa inicial.

A versão mais perigosa do efeito halo surge quando está cansado. Depois de falar com três empreiteiros, ouvir problemas, preços e prazos, a mente quer descanso. Então agarra-se ao que dá alívio: alguém que parece “simples” e “fácil”.

Como o viés cognitivo se instala numa visita de 20 minutos

Repare nos sinais típicos. Ele chega e domina o espaço: aponta soluções antes de ouvir tudo, diz que “isso é básico”, fala de outros clientes, dá um preço aproximado com ar de quem já fez mil vezes. A sua ansiedade baixa, porque a incerteza baixa.

Só que essa tranquilidade pode estar a ser comprada com omissões: medições incompletas, suposições, falta de clarificação sobre materiais, exclusões e responsabilidades. E quando a obra está em andamento, cada omissão vira um “extra” ou um conflito.

Um exemplo comum: a casa de banho. O empreiteiro encantador diz “em duas semanas está feito” e fala como se a logística fosse magia. O empreiteiro mais metódico faz perguntas chatas: impermeabilização, pendentes, juntas, ventilação, tempos de cura. A mente prefere o primeiro, porque o segundo faz a obra parecer mais difícil - e ninguém quer sentir que está a entrar num labirinto.

O antídoto: obrigar a decisão a passar do “gosto” para o “prova”

Não precisa de desconfiar de toda a gente. Precisa de mudar a pergunta. Em vez de “parece-me competente?”, passe para “que evidência tenho de que entrega?”.

Use um pequeno “funil” que força factos a aparecerem:

  • Peça um orçamento com itens discriminados (materiais, mão de obra, demolições, remoções, proteção, limpeza).
  • Exija o que está excluído (e porquê). Ex.: “pintura não incluída”, “caixilharia fora do preço”, “licenças não incluídas”.
  • Pergunte quem executa (equipa própria vs. subcontratados) e quem coordena diariamente.
  • Solicite cronograma simples por fases, com dependências (demolição → águas/esgotos → impermeabilização → revestimentos).
  • Peça 2 contactos recentes (obras concluídas nos últimos 6–12 meses) e faça perguntas específicas.

A ideia não é criar burocracia. É impedir que o carisma seja a única “prova” em cima da mesa.

Perguntas que parecem pequenas - e evitam grandes erros

As melhores perguntas não são agressivas. São concretas e repetíveis, e revelam se há método por trás da conversa.

Experimente estas, e repare no tipo de resposta (claridade, humildade, detalhe, e se fica registado):

  1. “O que é que pode correr mal aqui e como é que costuma prevenir?”
  2. “Como define um extra? Pode dar exemplos típicos?”
  3. “Que materiais estão incluídos exatamente (marca/linha)?”
  4. “Quem compra os materiais e como é feita a aprovação antes de encomendar?”
  5. “Como comunica alterações: WhatsApp, e-mail, termo de obra?”

Um profissional sério não se ofende. Ele até fica aliviado: percebe que está a lidar com alguém que quer uma obra previsível, não uma lotaria.

A regra prática: comparar empreiteiros por “processo”, não por “impressão”

O efeito halo é especialmente forte quando compara pessoas e não comparações. Se cada empreiteiro lhe dá um orçamento em formatos diferentes, a mente decide pelo “melhor feeling”. Quando normaliza o formato, a decisão fica mais justa.

Faça isto: crie o seu mini-template e peça a todos a mesma estrutura. Mesmo que alguns resistam, essa resistência é informação.

  • Escopo: o que entra e o que não entra
  • Materiais: especificações mínimas
  • Prazos: fases e duração estimada
  • Pagamentos: marcos e percentagens (evite “50% para começar” sem entregáveis)
  • Garantias e assistência pós-obra: o que cobre e por quanto tempo

A contratação deixa de ser “quem me inspira confiança” e passa a ser “quem tem um sistema que reduz surpresas”.

Um lembrete que poupa dinheiro (e discussões) mais tarde

A confiança é importante, claro. Mas em obras, a confiança sem evidência é só conforto momentâneo. O viés cognitivo empurra-nos para o conforto porque o desconforto de fazer perguntas dá trabalho - e porque queremos acreditar que vai correr bem.

Se fizer uma coisa diferente da próxima vez, que seja esta: não decida no dia da visita. Durma sobre as respostas, releia o que ficou por escrito, e só avance quando a competência estiver visível no processo.

Ponto-chave O que fazer Benefício para si
Efeito halo Separar carisma de prova Menos decisões “pelo feeling”
Evidência escrita Orçamento discriminado + exclusões Menos extras e ambiguidades
Comparação justa Pedir o mesmo formato a todos Escolha mais racional e segura

FAQ:

  • Como sei se estou a cair no efeito halo? Quando a principal razão para escolher é “gosto dele/parece-me de confiança” e há pouca documentação concreta (escopo, exclusões, cronograma, marcos de pagamento).
  • Um empreiteiro muito simpático é um mau sinal? Não. Simpatia é neutra. O sinal é quando a simpatia substitui detalhes, medições, perguntas difíceis e confirmação por escrito.
  • Devo escolher sempre o mais detalhado (mesmo sendo mais caro)? Não automaticamente. Mas detalhe costuma correlacionar com planeamento. Compare escopo e exclusões: às vezes “mais caro” inclui o que outros deixaram de fora.
  • Que red flag vale ouro? Pressa para fechar sem orçamento discriminado e sem clarificar extras. A pressa costuma ser o primo direto das surpresas.
  • É exagero pedir tudo por escrito numa obra pequena? Não. Mesmo em trabalhos pequenos, um e-mail com escopo, preço, datas e exclusões evita mal-entendidos e protege as duas partes.

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