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Este erro simples causa atrasos difíceis de recuperar

Dois trabalhadores de construção civil analisam uma lista de decisões numa obra, com portátil e telemóvel sobre a mesa.

Chega quase sempre como um detalhe “menor” numa reunião de arranque: num projeto de construção, alguém diz que as decisões sobre materiais e especialidades “logo se vê”, e que o importante é começar. É assim que os atrasos iniciais entram pela porta - não com drama, mas com um erro simples que parece pragmático e acaba caro. Para quem paga, coordena ou executa, isto é relevante porque há atrasos que se recuperam com horas extra… e outros que criam uma fila invisível de dependências impossível de encurtar.

O padrão repete-se: abre-se estaleiro, mobiliza-se equipa, começam demolições ou movimentação de terras, e só depois se tenta fechar o que realmente manda no calendário. Quando o “logo se vê” finalmente chega, já há gente à espera, encomendas a meio, e decisões que deviam ter sido baratas tornam-se urgentes.

O erro simples: começar sem uma “linha de base” fechada

Não é falta de vontade. É falta de sequência.

O erro é avançar para obra sem consolidar o mínimo que deveria estar congelado: projeto coordenado, mapa de decisões (materiais, equipamentos, soluções), e um plano de compras alinhado com prazos reais de fornecimento. No papel, parece eficiente. Na prática, cria um calendário que não tem onde assentar.

Há duas formas de um cronograma falhar. A ruidosa é quando toda a gente vê que é impossível. A silenciosa é quando “parece” possível… até ao primeiro ponto de decisão que estava por fechar.

O problema é que a obra vive de dependências. Uma escolha adiada na arquitetura mexe com as especialidades, que mexe com a compatibilização, que mexe com medições, que mexe com encomendas, que mexe com equipas, que mexe com inspeções. O atraso não fica onde nasceu; ele viaja.

Como os atrasos iniciais se tornam difíceis de recuperar

O início de obra é o momento em que tudo é mais flexível: equipas ainda não estão encadeadas, subempreiteiros ainda têm janelas, e mudanças custam menos. Quando se perde essa janela, entra-se numa fase em que cada dia atrasado já tem “gente em fila”.

Um exemplo típico: decide-se avançar com paredes e infraestruturas “genéricas” enquanto se escolhe o sistema de AVAC. Parece sensato. Depois chega a definição final e exige passagens, espaços técnicos ou reforços que já não estavam previstos. Abre-se o que estava fechado, remenda-se o que estava limpo, e o que era uma decisão passa a ser uma cirurgia.

O mesmo acontece com materiais de longo prazo de entrega. Se a encomenda do elevador, caixilharias, equipamentos de cozinha, transformador/quadros elétricos ou bombas fica “para depois”, o “depois” coincide com a fase em que já ninguém pode parar. A obra não atrasa só por falta do material: atrasa porque as equipas seguintes não conseguem trabalhar, e porque o que depende de ensaios e vistorias não pode ser marcado.

Sinais de alerta (antes de partir)

  • O cronograma tem datas, mas não tem donos: ninguém consegue dizer “isto fica fechado até dia X” com responsabilidade clara.
  • Existem itens “TBD” (to be defined) em decisões críticas: caixilharia, pavimentos, sanitários, iluminação, AVAC, portas corta-fogo.
  • As especialidades trabalham em paralelo sem coordenação final e sem modelo/compatibilização validada.
  • As compras são “reativas”: encomenda-se quando o material “já faz falta” em obra.

O que fazer em 72 horas para travar a hemorragia

A boa notícia é que não precisa de uma reestruturação heroica. Precisa de uma limpeza curta e objetiva: saber o que tem de estar fechado para a obra andar sem se auto-sabotar.

Comece por uma lista única de decisões, com prazo e responsável. Não é um documento bonito. É uma ferramenta de sobrevivência.

  1. Criar um “Mapa de Decisões” com 15–30 itens que realmente mandam no caminho crítico (os que travam obra e inspeções).
  2. Classificar por lead time: o que demora 8–16 semanas a chegar vai para o topo, mesmo que “ainda pareça cedo”.
  3. Fixar uma linha de corte: decisões que não passarem a “fechado” até data X deixam de ser “variáveis” e passam a “riscos” com impacto assumido no plano.
  4. Converter decisões em compras: cada decisão fechada deve gerar medição, encomenda e confirmação de entrega. Sem isto, é só conversa.

E depois faça uma pergunta simples em reunião: “O que é que, se não estiver decidido até sexta-feira, nos impede de avançar em duas frentes daqui a três semanas?” Essa pergunta expõe dependências que o cronograma costuma esconder.

O que este erro revela sobre coordenação (e não sobre esforço)

Quando um projeto de construção atrasa cedo, a tentação é culpar execução: “falta de mão de obra”, “choveu”, “o fornecedor falhou”. Às vezes é verdade. Mas muitas vezes o problema é anterior: a obra foi usada para ganhar tempo de decisão.

Ganhar tempo assim é uma ilusão. Está a deslocar decisões para um momento em que são mais caras, mais conflituosas e mais difíceis de reverter. E está a trocar um atraso “barato” (no papel) por um atraso “caro” (em cadeia).

Há uma regra simples que poucas equipas gostam de ouvir: a obra avança à velocidade da decisão mais lenta no caminho crítico, não à velocidade do empreiteiro mais rápido.

Ponto chave O que fazer Ganho imediato
Linha de base Congelar projeto coordenado + decisões críticas Menos retrabalho e “voltas atrás”
Compras por lead time Encomendar cedo itens longos Evita paragens invisíveis
Donos e datas Um responsável por decisão, com prazo Reduz decisões penduradas

O pequeno teste que separa “atraso recuperável” de “atraso estrutural”

Se quiser um diagnóstico rápido, use este teste: pegue em três atividades do cronograma que acontecem dentro de 30 dias e pergunte, para cada uma, quais decisões fechadas e quais entregas confirmadas ela exige.

Se a resposta for “depende” ou “ainda estamos a ver”, então não é um atraso de execução. É um atraso de definição. E esses são os que se transformam em meses sem que ninguém consiga apontar um único dia “culpado”.

FAQ:

  • Como sei se estou a cometer este erro agora? Se a obra está a avançar mas há decisões críticas por fechar (materiais, especialidades, equipamentos) e as compras ainda não têm confirmação de entrega, está a trocar avanço físico por risco de paragem.
  • Não posso decidir mais tarde para ganhar flexibilidade? Pode, desde que as decisões adiadas não estejam no caminho crítico e não tenham prazos longos de fornecimento. Flexibilidade sem mapa de dependências costuma ser só atraso com outra etiqueta.
  • Qual é a primeira decisão que devo fechar quase sempre? A que bloqueia especialidades e compras: soluções técnicas (AVAC/eletricidade/hidráulica) e os itens com lead time longo (caixilharias, equipamentos, portas técnicas), porque condicionam compatibilização, obra e inspeções.
  • Um cronograma bem feito resolve? Ajuda, mas só se estiver ligado a decisões e compras reais. Cronograma sem “linha de base” e sem confirmações é calendário aspiracional.

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