O problema raramente é falta de vontade. É um orçamento de renovação feito com estimativas irrealistas, daqueles que parecem “fechar” no papel mas não sobrevivem ao primeiro telefonema do empreiteiro. E isto importa porque, quando o orçamento não é realista, a obra começa a decidir por si: atrasos, cortes apressados e escolhas piores a meio do caminho.
Eu vi isto acontecer numa cozinha que “só” precisava de armários novos e uma pintura. Duas semanas depois, já havia humidade por trás do rodapé, uma tomada fora das normas e um mosaico que se desfazia com a unha. O orçamento estava certinho… até tocar na casa real.
O sinal que denuncia tudo: o orçamento não tem margem (ou tem uma margem “mágica”)
O sinal mais fiável de que o orçamento não é realista é simples: não existe uma margem de contingência clara, ou ela é tão baixa que parece decorativa. Quando alguém me diz “já pusemos 2% para imprevistos, chega”, eu sei que a obra vai ensinar matemática à força.
Renovar é abrir coisas que não se vêem. E o que não se vê é onde moram os custos que rebentam: nivelamentos, redes antigas, infiltrações, reforços, regularizações. Se a tua margem não acompanha essa realidade, o teu orçamento é uma esperança - não é um plano.
“O orçamento que não prevê surpresas não está optimista. Está incompleto.”
Uma regra prática (sem dramatismos)
- Remodelações leves (pinturas, pavimentos sem mexer em infra-estruturas): 10% de contingência pode ser aceitável.
- Cozinhas e casas de banho (canalização, electricidade, impermeabilizações): 15–20% é o normal.
- Casas antigas, obras com demolições, alterações estruturais: 20–30% não é exagero - é prudência.
Se isto te parece “dinheiro a mais”, repara: contingência não é “para gastar”. É para não entrares em pânico quando aparecer o inevitável.
Porque é que a margem desaparece (e ninguém dá por isso)
A margem costuma evaporar por três razões muito humanas. Primeiro, porque a lista de compras é feita como se fosse um carrinho de supermercado: só se contam os itens que se vêem. Segundo, porque se misturam preços “de internet” com preços “instalados”, como se fossem a mesma coisa. Terceiro, porque se assume que a primeira estimativa é um compromisso, quando muitas vezes é apenas um ponto de partida.
Um exemplo típico: “sanita 150€, torneira 60€, móvel 300€” - e pronto, “casa de banho por 1.200€”. Só que faltam válvulas, sifões, flexíveis, impermeabilização, colas, juntas, regularização, transporte, remoções, horas extra quando a parede não está direita, e IVA (quando ainda não está incluído). A soma não falhou. A lista é que estava curta.
Mini-teste: o teu orçamento está a contar a história toda?
Faz este check rápido. Se responderes “não sei” a mais de dois pontos, é provável que estejas a trabalhar com estimativas irrealistas.
- Tens uma linha específica para demolições/remoções e entulho?
- Tens custos para preparação de base (nivelar, primário, regularizações)?
- Está separado o que é materiais do que é mão-de-obra?
- Sabes se os valores incluem IVA e transporte?
- Tens uma rubrica para trabalhos fora de plano (pequenas carpintarias, remates, silicone, reparações)?
- A contingência está escrita em euros e percentagem, e está protegida (não serve para “melhorar” acabamentos)?
Como corrigir sem refazer tudo do zero
Não precisas de rasgar o orçamento. Precisas de o tornar honesto e utilizável.
- Transforma a contingência em linha obrigatória, não negociável. Mete-a no fim e não a uses para upgrades.
- Pede orçamentos comparáveis: mesma lista, mesmas quantidades, mesmos acabamentos, mesma exclusão/inclusão de IVA.
- Divide por fases (demolição, infra-estruturas, acabamentos, montagem) para veres onde está o risco.
- Assume um “pior caso” pequeno: uma reparação eléctrica, um ponto de água extra, um nivelamento inesperado. Se não couber, o orçamento já te está a avisar.
Há um alívio estranho quando o número sobe e, mesmo assim, o plano fica melhor. Porque deixa de ser um castelo de cartas.
O que muda quando o orçamento passa a ser realista
De repente, as decisões deixam de ser reactivas. Em vez de cortares no isolamento porque “apareceu um imprevisto”, tu já tinhas previsto que imprevistos existem. E isso permite-te proteger o que interessa: segurança, durabilidade, e aquelas duas ou três escolhas visíveis que fazem a casa parecer tua.
Um orçamento realista não é o mais baixo. É o que aguenta a obra sem te roubar o sono.
| Ponto-chave | Sinal de alerta | Ajuste simples |
|---|---|---|
| Contingência | 0–5% ou “logo vemos” | 10–30% conforme o tipo de obra |
| Itens invisíveis | Não há demolições, entulho, preparação | Criar rubricas próprias |
| Comparação de orçamentos | Preços “à unidade” sem condições | Pedir lista igual e inclusões claras |
FAQ:
- Qual é a contingência “certa” para uma cozinha? Em geral, 15–20%. Se o prédio for antigo ou vais mexer em canalização e electricidade, aponta mais para 20%.
- A contingência é para gastar? Não. É uma almofada para imprevistos reais. Se sobrar, ótimo: ou devolves ao bolso ou fazes um upgrade consciente no fim.
- Se eu não tiver margem, o que faço? Reduz o âmbito (menos demolição, menos alterações), adia uma fase (por exemplo, armários agora, tampo depois) ou revê acabamentos. Mas não “apagues” itens invisíveis.
- Como evito estimativas irrealistas quando peço orçamentos? Dá a mesma lista a todos, pede que indiquem o que está incluído (IVA, transporte, remoções) e exige quantidades. Orçamentos vagos são convites a derrapagens.
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