Há obras que falham por falta de dinheiro, outras por falta de tempo. Mas muitas falham porque o planeamento de renovação é feito “em cima do joelho” e a fase de pré-construção é tratada como burocracia, não como o motor do projecto. Para quem vai renovar casa, este passo é onde se evita o caos: atrasos, custos surpresa e decisões apressadas quando já há pó no ar.
O padrão repete-se: começa-se pelo Pinterest, escolhe-se o empreiteiro “de confiança”, demole-se cedo demais e, de repente, cada dia traz uma surpresa. O erro não está na vontade de avançar; está em avançar sem um guião testado.
O passo essencial que quase ninguém faz (e que salva a obra)
A fase de pré-construção não é “só papelada”. É o momento em que se transforma uma ideia numa sequência de decisões fechadas, compatíveis entre si, com preços e prazos coerentes. É também quando se descobre o que pode correr mal, antes de correr mal.
Pense nisto como um teste de esforço ao projecto: mede-se o que existe, confirma-se o que é possível, escolhem-se materiais com antecedência, e monta-se um plano de obra que não dependa de improviso.
Uma obra raramente descarrila por um grande erro. Descarrila por muitas pequenas decisões tomadas tarde demais.
Porque é que o improviso fica tão caro
Quando se ignora a pré-construção, o projecto entra em obra com buracos: medidas por confirmar, especialidades por compatibilizar, escolhas por fazer. Cada buraco vira uma interrupção. E cada interrupção custa dinheiro, porque as equipas param, voltam, e “reabrem” trabalhos que já estavam fechados.
Os sinais típicos aparecem cedo:
- O orçamento “base” parece bom, mas começa a ganhar aditivos semanais.
- Materiais chegam tarde e a obra fica à espera (ou avança com alternativas piores).
- Há refazer: instalações que passam onde não deviam, revestimentos que não cabem, vãos que mudam.
- Surgem conflitos de responsabilidade: “isso era do electricista”, “isso era do pedreiro”.
O que a fase de pré-construção deve incluir (na prática)
1) Levantamento real do que existe
Medidas no local, registo de prumos, esquadrias, níveis e pontos críticos. Em renovações, “o desenho” raramente coincide com a realidade, sobretudo em edifícios antigos. Confirmar isto antes evita soluções de última hora.
- Medir vãos e paredes “fora de esquadria”
- Verificar pés-direitos e desníveis
- Identificar zonas com humidade, fissuras, madeiras degradadas
- Confirmar onde passam infra-estruturas (água, esgoto, electricidade, gás)
2) Projecto fechado e compatibilizado
Não precisa de ser luxuoso, precisa de ser claro. Plantas, cortes onde for necessário, mapa de acabamentos e detalhe das zonas críticas (cozinha, WCs, vãos, iluminação). O essencial é reduzir “zonas cinzentas” que viram discussões em obra.
3) Mapa de decisões (o que tem de estar escolhido antes de começar)
A obra corre à velocidade das escolhas. Se não estiver decidido, alguém decide por si - normalmente com pressa.
Checklist mínima antes da demolição:
- Sanitários, torneiras e bases/banheiras (dimensões e saídas)
- Cozinha (layout, pontos de água/esgoto, eléctricos, exaustão)
- Pavimentos e rodapés (espessuras, transições)
- Caixilharias (medidas, tipo de abertura, prazos)
- Iluminação (pontos, tipos, temperaturas de cor)
- Revestimentos (formatos, paginação, juntas)
4) Orçamento comparável e com âmbito definido
O problema não é “ser caro”. É não saber o que está incluído. Um bom orçamento descreve âmbito, materiais, quantidades, exclusões e condições. E permite comparar propostas sem adivinhar.
Se duas propostas não têm o mesmo âmbito, não são comparáveis - mesmo que o total pareça parecido.
5) Sequência de obra e plano de compras
Não é um Gantt de empresa multinacional. É uma sequência simples que garante lógica: demolições, redes, fechamentos, impermeabilizações, acabamentos, carpintarias, pinturas, limpezas e vistorias. Ao lado, uma lista de compras com prazos reais (muitos materiais têm 4–10 semanas).
O erro mais comum: começar a partir do “bonito”
É tentador escolher primeiro azulejos e móveis. Mas a obra vive do invisível: estrutura, humidades, redes, ventilação, isolamento acústico, pendentes e impermeabilizações. Quando isso é decidido tarde, o “bonito” paga a factura: juntas tortas, caixas técnicas em sítios improváveis, rebaixos de tecto para esconder o que não foi previsto.
Uma regra simples ajuda: primeiro resolve-se o que não se vê e não se muda facilmente; depois escolhe-se o que se vê.
Um roteiro curto para não falhar (mesmo com orçamento apertado)
Se só puder fazer o essencial, faça isto antes de assinar o arranque:
- Visita técnica ao local com medições e lista de riscos (humidade, prumos, infra-estruturas).
- Definição de âmbito: o que entra e o que fica fora (e porquê).
- Três decisões fechadas: layout, redes (pontos e percursos), acabamentos principais com espessuras.
- Orçamento detalhado com exclusões explícitas.
- Calendário realista + prazos de materiais críticos (caixilharias e cozinha, quase sempre).
Quando a pré-construção parece “lenta”, mas é a parte mais rápida
Pode parecer que se está a atrasar a obra por semanas. Na verdade, está-se a comprar tempo futuro: menos paragens, menos discussões, menos refazer. É a diferença entre “avançar depressa” e “chegar cedo”.
E há um benefício silencioso: tranquilidade. Uma obra com pré-construção bem feita tem menos decisões em modo emergência e mais decisões em modo escolha.
Sinais de que está a fazer bem
- As alterações existem, mas são conscientes e registadas (não “surpresas”).
- O empreiteiro consegue explicar a sequência de trabalho sem hesitar.
- Há decisões tomadas antes de chegar à fase correspondente.
- Os aditivos, quando surgem, têm justificativa técnica e preço validável.
- A obra anda sem depender de telefonemas diários para “desenrascar”.
FAQ:
- Qual é a diferença entre planeamento de renovação e fase de pré-construção? O planeamento de renovação é o quadro geral (objectivos, orçamento, prioridades). A fase de pré-construção é a execução desse planeamento em detalhe: medições, projecto, compatibilização, orçamento fechado e sequência de obra.
- Quanto tempo deve durar a fase de pré-construção? Depende do tamanho e da complexidade, mas muitas renovações beneficiam de 2 a 6 semanas para fechar decisões, confirmar medidas e assegurar prazos de fornecimento.
- Vale a pena fazer pré-construção se a obra for “pequena”? Sim. Quanto menor a margem financeira, mais importante é evitar refazer e aditivos. Em obras pequenas, um erro de compatibilização pesa proporcionalmente mais.
- O que devo exigir no orçamento para evitar surpresas? Âmbito descrito, lista de inclusões/exclusões, quantidades, materiais por referência, condições (acessos, horários, remoção de entulho) e forma de tratar trabalhos a mais.
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