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O erro que faz pagar duas vezes

Trabalhador de construção a medir o chão com uma fita métrica, outro ao fundo com azulejos.

O telefone toca, a obra avança, e você sente que está a “desenrascar” como sempre. Nos trabalhos de construção, esse modo de andar para a frente sem fechar pontas soltas é o atalho mais caro, porque abre a porta aos custos de retrabalho. E o pior é que quase nunca parecem um erro na hora: parecem só “mais uma pequena decisão” para não parar a equipa.

Vi isto acontecer num corredor estreito, com pó no ar e um prazo a morder. Alguém decidiu avançar com o assentamento antes de confirmar uma cota e antes de aprovar o detalhe final do remate. Dois dias depois, o mesmo chão estava a ser levantado com cuidado de quem tenta não fazer barulho - e a fatura já vinha com duas linhas: fazer e desfazer.

O erro que faz pagar duas vezes (e por que é tão comum)

O erro é simples: começar a executar sem uma definição fechada do que vai ser feito e como vai ser aceite. Falta de desenho final, medições não validadas, materiais “quase” certos, decisões de última hora tomadas no meio do ruído. Na prática, é trabalhar com “vamos ver” e chamar-lhe progresso.

É comum porque dá uma sensação imediata de ritmo. A equipa não fica parada, o dono de obra vê movimento, e o encarregado sente que está a proteger o calendário. Só que a obra não perdoa ambiguidades: cobra-as mais tarde, com juros.

“Depois logo se ajusta” é uma frase simpática - até ser escrita num mapa de trabalhos com demolição incluída.

Onde o retrabalho nasce: três gatilhos discretos

Não costuma ser um grande desastre cinematográfico. É uma sequência de pequenas permissões.

  • Informação incompleta a circular como se fosse definitiva: uma mensagem, um esboço, uma foto no WhatsApp que vira “projeto”.
  • Interfaces não coordenadas: AVAC, eletricidade, hidráulica e carpintarias a cruzarem-se sem um ponto de controlo comum.
  • Critérios de aceitação vagos: “fica bem”, “mais ou menos alinhado”, “depois tapa-se” - até alguém pedir para ver de perto.

Quando estes gatilhos se juntam, o retrabalho deixa de ser exceção e vira método. E método repetido vira custo fixo.

O que fazer em vez de acelerar: um mini-sistema de fecho

Não precisa de burocracia pesada. Precisa de um ritual curto, repetível, que interrompa o impulso de “andar já”.

  1. Feche a decisão antes de abrir a frente de trabalho. Se o detalhe ainda está em aberto, não comece pelo acabamento. Comece pelo que não depende dele.
  2. Defina “pronto para executar” em 60 segundos. Desenho/nota aprovada, cotas confirmadas, material em obra, tolerâncias acordadas, responsável nomeado.
  3. Faça uma verificação no local, com fita métrica e olhar frio. O que está no papel bate certo com o que existe? Há desvios? Há interferências escondidas?

Isto parece básico, e é. É precisamente por ser básico que funciona: reduz decisões improvisadas, que são o alimento favorito dos custos de retrabalho.

Um exemplo que dói (porque é banal)

Uma parede de gesso cartonado avançou porque “o resto resolve-se”. Só que a passagem de tubagem ainda não estava fechada e o ponto de luz ficou por decidir. Quando chegou a especialidade, abriu-se a parede nova, remendou-se, lixou-se, pintou-se outra vez. O orçamento pagou a construção duas vezes; o prazo pagou ainda mais, porque as equipas esperaram umas pelas outras no momento errado.

O dinheiro do retrabalho não é só mão de obra e material. É também:

  • deslocações extra,
  • gestão de conflito,
  • perda de produtividade por interrupções,
  • desperdício e entulho,
  • e a erosão silenciosa da confiança entre todos.

Como reconhecer cedo que está a entrar no “pagar duas vezes”

Há sinais que aparecem antes da demolição.

  • “Começamos e logo vemos” aparece em reuniões e mensagens.
  • Os desenhos mudam, mas ninguém confirma que a frente já executada recebeu a versão certa.
  • As medições são feitas “a olho” porque “é só um bocado”.
  • Os acabamentos são agendados antes das especialidades estarem fechadas.

Se dois destes sinais estão presentes, trate como risco real, não como ruído.

Um checklist curto para reduzir retrabalho sem travar a obra

Guarde isto como uma pequena guarda-corpo - não como uma parede.

  • Confirmar versões: qual é o último desenho/nota aprovada?
  • Confirmar cotas: medir no local antes de cortar/assentar.
  • Confirmar materiais: o que chegou é mesmo o especificado?
  • Confirmar interface: há algo que venha depois e obrigue a abrir?
  • Confirmar aceitação: o que significa “feito” e quem valida?

Um minuto aqui costuma poupar dias mais à frente. E, numa obra, dias são dinheiro com botas.

Ponto-chave O que muda Ganho prático
“Pronto para executar” Só avança o que está fechado Menos demolições e remendos
Verificação no local Medir antes de fazer Menos cortes errados e ajustes
Critério de aceitação Definir quem valida e como Menos discussões e refações

FAQ:

  • Como é que sei se vale a pena parar para confirmar? Se a tarefa for difícil de desfazer (acabamentos, revestimentos, fechamentos) ou bloquear outras especialidades, confirme sempre antes.
  • O retrabalho é inevitável em obras? Algum é normal, mas o caro é o retrabalho previsível: o que vem de decisões em aberto, falta de coordenação e ausência de critérios de aceitação.
  • Quem deve “fechar” decisões na prática? Quem tem autoridade sobre o resultado final (direção de obra/dono de obra/projeto), mas com validação no local do encarregado para garantir exequibilidade.
  • Qual é a primeira coisa a implementar amanhã? Um checklist de “pronto para executar” antes de abrir cada frente de acabamento - curto, repetido, sem exceções.

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