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O problema de contratar “um para cada coisa”

Pessoas em reunião de trabalho, analisando um diagrama sobre a mesa, com portáteis, chávenas e documentos.

Na primeira vez que vi isto acontecer, não foi numa grande empresa - foi num negócio “normal”, com várias profissões a trabalhar em simultâneo: marketing, contabilista, advogado, designer, gestor de tráfego, comercial. A falha de coordenação não apareceu como um drama; apareceu como um silêncio: ninguém sabia quem decidia, quem aprovava, e quem respondia quando algo corria mal. E o mais caro não foi o que pagaram a cada um - foi o tempo perdido entre eles.

É fácil cair no impulso de contratar “um para cada coisa”. Parece maturidade: especialização, eficiência, menos riscos. Só que, sem um fio condutor, o resultado pode ser um puzzle perfeito com peças que não encaixam.

Quando a especialização vira ruído

Especialistas resolvem problemas específicos. O problema é que o seu negócio raramente tem problemas “específicos”: tem problemas encadeados. Uma campanha mexe no stock, o stock mexe no suporte, o suporte mexe na reputação, a reputação mexe nas vendas - e de repente há seis pessoas certas a optimizar seis coisas diferentes.

Há um sinal clássico: mais reuniões, mais mensagens, mais “estou à espera de X para avançar”, e menos trabalho concluído. O sistema fica a pedir tradução constante. E cada tradução acrescenta atrasos, mal‑entendidos e versões paralelas da verdade.

A conta invisível: handoffs, retrabalho, decisões suspensas

Contratar por tarefa cria “passagens de testemunho” (handoffs). Cada passagem parece pequena - um email, um ficheiro, um “vê lá isto” - mas acumula como juros. O gestor de tráfego pergunta pelo posicionamento, o copywriter espera pelo tom, o designer quer saber o formato, e ninguém tem autoridade para fechar.

O retrabalho nasce aqui: não porque as pessoas sejam más, mas porque cada uma optimiza para o seu critério. O advogado corta frases “de risco”, o marketing quer promessas fortes, a equipa de produto sabe que não dá, e a landing page acaba num meio termo que não convence nem protege.

E há o pior tipo de custo: decisões suspensas. O projecto fica “quase”, e o “quase” consome energia todos os dias.

O que normalmente está mesmo a falhar

Não é talento. É arquitectura.

Um conjunto de pessoas especialistas precisa de três coisas para funcionar como equipa:

  • Um dono do resultado (alguém com mandato para decidir e assumir).
  • Um sistema de prioridades (o que ganha quando há conflito).
  • Um ritmo de execução (cadência de planeamento, revisão e aprendizagem).

Sem isso, a organização vira um somatório de micro‑serviços. Funciona no papel, falha na prática.

“Estamos todos a fazer a nossa parte” é muitas vezes verdade. Só não é suficiente.

O antídoto: menos “um para cada coisa”, mais “um para ligar as coisas”

Há uma alternativa mais simples do que parece: antes de adicionar mais uma profissão, adicione coordenação. Pode ser um líder de projecto, um gestor de produto, um operador geral - o título importa menos do que a função: garantir coerência entre trabalho, decisões e métricas.

Um bom teste é este: se amanhã um anúncio for reprovado, uma entrega falhar e um cliente reclamar, consegue responder em 10 minutos a três perguntas?

  1. Quem decide o próximo passo?
  2. Qual é a prioridade (receita, reputação, qualidade, velocidade)?
  3. Onde está a informação “oficial” (documento, quadro, checklist)?

Se não consegue, o problema não é “faltam mais pessoas”. É falta de um centro de gravidade.

Pequenos ajustes que evitam o caos (sem reestruturar tudo)

Não precisa de uma “transformação” para recuperar alinhamento. Precisa de fricção no sítio certo - tal como ler um rótulo antes de usar um químico, aqui lê‑se o processo antes de contratar mais um especialista.

Experimente este kit mínimo durante duas semanas:

  • Uma página de briefing por iniciativa (objectivo, público, promessa, prova, restrições legais, dono da decisão).
  • Um canal único para decisões (e um resumo no fim do dia/semana).
  • Uma reunião curta semanal de 30 minutos: prioridades, bloqueios, próximos passos.
  • Um “definição de feito” por entrega (o que tem de estar verdadeiro para considerar concluído).

A surpresa é que isto reduz trabalho. A equipa pára de “parecer ocupada” e começa a fechar ciclos.

Como saber se está na hora de simplificar

Há sinais muito consistentes quando “um para cada coisa” passou do ponto:

  • mais ferramentas do que outputs.
  • Ninguém consegue explicar o projecto sem dizer “depende”.
  • As pessoas trabalham em versões diferentes do mesmo plano.
  • O cliente sente a desconexão: “disseram‑me uma coisa e entregaram outra”.
  • O negócio cresce, mas o stress cresce mais depressa.

A solução raramente é despedir especialistas. É fazer com que deixem de trabalhar como ilhas.

Sintoma O que costuma significar Ajuste rápido
Retrabalho constante Critérios em conflito “Dono da decisão” definido no briefing
Esperas e bloqueios Handoffs sem autoridade Regras claras de aprovação (quem, quando, como)
Execução errática Falta de ritmo Cadência semanal + lista única de prioridades

O que isto muda para si (e para a sua equipa)

Quando a coordenação existe, especialistas ficam melhores no que fazem. O designer deixa de adivinhar, o tráfego deixa de “testar às cegas”, o comercial vende o que vai ser entregue, e o suporte deixa de apagar fogos criados por promessas soltas.

Contratar várias profissões pode ser um motor. Mas, sem ligação, vira um coro sem maestro: há vozes fortes, só não há música. O objectivo não é ter menos gente - é ter uma linha clara entre intenção, execução e resultado.

FAQ:

  • Como sei se preciso de mais um especialista ou de melhor coordenação? Se o problema é “ninguém decide” ou “ninguém está alinhado”, é coordenação. Se o problema é “sabemos o que fazer, mas não temos capacidade técnica”, é especialista.
  • Quem deve ser o “dono do resultado”? Idealmente quem responde pelo KPI principal da iniciativa (receita, retenção, qualidade). Pode ser fundador, gestor de produto/projecto, ou líder de operação - mas tem de ter mandato real.
  • Reuniões semanais não vão piorar a sobrecarga? Só se forem vagas. Uma reunião curta com agenda fixa (prioridades, bloqueios, decisões) costuma poupar horas de ping‑pong durante a semana.
  • E se trabalho com freelancers “um para cada coisa”? Ainda mais importante: briefing único, um ponto de decisão e um calendário. Freelancers sofrem mais com ambiguidade porque não têm contexto contínuo.
  • Qual é o primeiro documento que devo criar? Um briefing de uma página com objectivo, público, mensagem, restrições e critérios de sucesso. Se isso estiver sólido, metade da falha de coordenação desaparece.

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