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O sinal de alerta que muitos ignoram no primeiro dia

Trabalhadores de construção analisam plantas em estaleiro, vestindo coletes refletivos e capacetes brancos.

Chega o primeiro dia de um projeto de construção e, por fora, parece tudo “normal”: capacetes novos, planta impressa, equipa a conhecer-se, máquinas a ligar. Mas é precisamente aí que os sinais de alerta precoce costumam aparecer, discretos, antes do betão, antes dos prazos apertarem, antes do dinheiro começar a escorrer por falhas pequenas. Ignorá-los não é optimismo - é pagar mais tarde por não ter ouvido cedo.

Já vi equipas a perder semanas por algo que, naquele dia zero, parecia apenas uma “coisinha”: uma dúvida não respondida, um desenho contraditório, um fornecedor sem confirmação. O problema é que o primeiro dia raramente grita. Ele sussurra.

O sinal mais comum: “Logo se vê” disfarçado de boa vontade

Há uma frase que aparece em quase todas as obras que acabam tensas: “Logo se vê.” Ela costuma vir acompanhada de um sorriso e da ideia de que a equipa é desenrascada. Só que, em obra, improviso repetido não é flexibilidade - é falta de decisão.

Quando alguém não consegue dizer quem aprova alterações, quem fecha medições, quem valida materiais e quem assina o quê, está a aparecer um sinal de alerta precoce real. O primeiro dia é quando estas linhas deviam ficar nítidas, porque depois cada hora tem dono: o relógio, o orçamento e o cliente.

Um “logo se vê” no primeiro dia é, muitas vezes, um “vai custar mais” no último.

Como este sinal se manifesta sem ninguém notar

Nem sempre é uma discussão. Às vezes é silêncio. Um silêncio confortável que dá a falsa sensação de alinhamento.

  • A reunião de arranque termina sem lista de decisões e responsáveis.
  • O planeamento existe, mas ninguém consegue explicar as dependências críticas.
  • Fala-se muito do “fim” (entrega), mas pouco do “meio” (sequência real em obra).
  • Há desenho, mas não há confirmação de que é a versão final.
  • Um empreiteiro começa a “montar” sem confirmação de pontos base, cotas, tolerâncias.

Cada item destes, isolado, parece pequeno. Juntos, formam o padrão clássico: começar a construir antes de começar a gerir.

A causa escondida: desalinhamento de expectativas, não falta de competência

A maioria dos atrasos que rebentam em mês dois ou três nasce de expectativas diferentes no dia um. O dono de obra acha que “inclui”. O empreiteiro acha que “é extra”. O projectista acha que “está claro no desenho”. A fiscalização acha que “era óbvio que precisava de ensaio”.

E ninguém é incompetente. Só não existe um ponto único de verdade, nem uma rotina para transformar dúvidas em decisões documentadas.

Se tiver de escolher um sítio para ser insistente, é aqui: no mecanismo de decisão. A obra pode ter bons profissionais e ainda assim falhar, se o sistema for fraco.

O teste de 20 minutos que quase ninguém faz no arranque

Em vez de perguntar “Está tudo pronto?”, faça perguntas que obrigam a respostas específicas. Em 20 minutos, descobre-se se a obra está a arrancar com clareza ou com esperança.

Use este mini-teste na primeira reunião em obra (ou até antes de entrar no estaleiro):

  1. Qual é o desenho/peça mais recente e onde está guardada a versão oficial?
  2. Quem aprova alterações e qual é o prazo para resposta?
  3. Como se regista um RFI/dúvida e quem a fecha?
  4. Qual é o critério para trabalho a mais (quando vira extra e como se mede)?
  5. Que ensaios/inspecções são bloqueantes antes de avançar para a fase seguinte?

Se as respostas forem vagas, emocionais (“isso resolve-se”) ou dependentes de uma pessoa específica que “ainda não chegou”, tem aí o sinal de alerta que muitos ignoram no primeiro dia: falta de governança básica.

O que fazer quando o sinal aparece (sem criar guerra)

A tentação é dramatizar ou, pelo contrário, fingir que não viu. Nenhuma ajuda. O que funciona é reduzir o problema a rotinas simples e visíveis, porque a obra respeita o que é concreto.

Um kit de controlo mínimo, mas eficaz

  • Ata de arranque de 1 página: decisões, pendentes, responsáveis, datas.
  • Lista única de pendentes (log): dúvidas, interferências, aprovações, compras críticas.
  • Regra de versões: um sítio para documentos, com controlo de revisões.
  • Janela de decisão: por exemplo, “RFIs respondidos em 48–72h” ou escalamento automático.
  • Pontos de paragem claros: sem cotas confirmadas/sem aprovação de amostra/sem ensaio, não se fecha.

Não é burocracia. É tirar fricção do caminho, antes de a fricção virar conflito.

Na prática, o controlo não atrasa a obra. O que atrasa é discutir a mesma dúvida três vezes em três sítios diferentes.

Pequenos exemplos que viram grandes custos (e começam no dia um)

Os sinais de alerta precoce parecem “administrativos” até se traduzirem em trabalho físico errado - que é o tipo mais caro de erro.

  • Uma parede levantada com a medida certa… do desenho errado.
  • Uma encomenda feita “para não perder tempo” com acabamento não aprovado.
  • Uma equipa a avançar sem verificação de prumo/nível porque “depois acerta-se”.
  • Um subempreiteiro a entrar em obra sem plano de acessos, cargas e armazenagem.

A obra é implacável: o que não se decidiu em papel decide-se em betão, e aí custa muito mais.

Como saber se está a arrancar bem (mesmo com problemas)

Uma obra saudável também tem problemas no primeiro dia. A diferença é que os problemas aparecem e são tratados como itens fecháveis, não como nuvens permanentes.

Sinais de que está a começar do lado certo:

  • As dúvidas são registadas e têm dono.
  • Existe um “sim” e um “não”, mesmo que provisórios, para desbloquear trabalho.
  • A equipa consegue explicar a sequência dos próximos 7–14 dias sem inventar.
  • As alterações têm caminho: pedido, avaliação, aprovação, execução, registo.

Quando isto acontece, até imprevistos grandes ficam geríveis. Sem isto, até detalhes pequenos conseguem destruir o calendário.

FAQ:

  • Como distinguir um imprevisto normal de um sinal de alerta precoce? O imprevisto aparece; o sinal de alerta repete-se sem dono nem data de fecho. Se a mesma dúvida volta em duas reuniões, já não é “normal”.
  • Quem deve liderar esta clarificação no primeiro dia? Quem tiver autoridade para fechar decisões: direcção de obra/gestão de projecto, com participação activa de fiscalização e projectistas quando necessário.
  • Isto não cria burocracia e atraso? Cria rotina, que é diferente. Uma ata curta e um log bem mantido evitam retrabalho, discussões e paragens mais à frente.
  • E se o cliente pressionar para “começar já”? Começar não é produzir. Pode iniciar trabalhos preparatórios (implantação, segurança, mobilização) enquanto fecha versões, aprovações e pontos de paragem para o que é irreversível.
  • Qual é a melhor primeira acção se já começou mal? Pare 60–90 minutos para uma reunião de realinhamento com decisões mínimas: versões oficiais, responsáveis, pendentes críticos e regra de alterações. É o travão curto que evita o embate longo.

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