Quando uma obra começa a derrapar, raramente é por falta de esforço. Quase sempre é por falta de coordenação de projeto e por um acordo de partes interessadas claro, revisto e assumido por todos antes de se abrir a frente de trabalho. Para quem constrói, compra ou fiscaliza, isto é relevante porque reduz retrabalho, conflitos em obra e decisões urgentes tomadas “em cima do joelho”.
Há um sinal típico: a equipa está no terreno, mas cada especialidade está a seguir a sua própria versão do plano. O empreiteiro pede respostas, o dono de obra pede garantias, a fiscalização pede registos - e a obra perde ritmo no exato momento em que devia ganhar tração.
O alinhamento que falta: não é “mais uma reunião”, é uma base comum
A coordenação de projeto serve para manter arquitetura, estruturas e especialidades a falar a mesma língua, com prioridades e critérios consistentes. Não é um papel burocrático; é a função que evita que um detalhe “pequeno” (uma cota, uma passagem, uma compatibilização) se torne numa semana parada.
O acordo de partes interessadas é o outro lado da moeda. Define o que é sucesso para cada parte, quem decide o quê, quando se decide e com que informação. Sem isto, a obra transforma-se num tribunal informal: cada alteração vira disputa, cada atraso vira acusação.
Em obra, a falta de alinhamento não aparece como “falta de alinhamento”. Aparece como espera, improviso e contas a subir.
Onde a obra parte: sintomas que parecem normais… até deixarem de ser
Numa fase inicial, tudo ainda parece gerível. Há boa vontade, há telefonemas, há “logo se vê”. Depois a soma de micro-decisões não registadas começa a pesar.
Os sinais mais comuns surgem em cadeia:
- versões diferentes de peças desenhadas a circular no estaleiro;
- dúvidas recorrentes sempre nos mesmos pontos (ligações, cotas, interferências);
- aprovações feitas por quem “estava disponível” e não por quem devia decidir;
- alterações de cliente sem avaliação de impacto em prazo/custo;
- medições e autos com interpretações divergentes do mesmo trabalho.
O problema não é um erro isolado. É a ausência de um centro de gravidade onde o projeto se consolida e onde as decisões ficam fechadas com rasto.
O que deve ficar fechado antes de começar (e o que se pode decidir em marcha)
Há decisões que podem ser ajustadas durante a obra sem drama. Mas há um núcleo que, se ficar ambíguo, gera conflito garantido. A coordenação de projeto normalmente identifica este núcleo e força o fecho, porque sabe onde a obra “morde”.
Antes do arranque, vale a pena garantir:
- Peças e versões: lista oficial, data, responsável, e regra de distribuição.
- Interfaces críticas: estrutura/AVAC, hidráulica/arquitetura, elétrica/falsos tetos, etc.
- Critérios de qualidade: tolerâncias, acabamentos, ensaios e aceitação.
- Processo de RFI e submittals: prazos de resposta e quem valida.
- Gestão de alterações: como se pede, como se aprova, como se mede impacto.
O acordo de partes interessadas entra aqui para evitar o clássico “eu pensei que…”. Não é só técnica; é governança.
Um “acordo” útil: curto, explícito e aplicado no dia a dia
Um acordo de partes interessadas que funciona não precisa de ser longo. Precisa de ser prático: decisões, limites e compromissos que a equipa consegue cumprir quando o estaleiro está a pressionar.
Na prática, costuma incluir:
- quem é o decisor final por tema (cliente, fiscalização, projetista, empreiteiro);
- que decisões exigem validação formal e quais podem ser resolvidas em coordenação;
- prazos máximos de resposta (e o que acontece quando falham);
- formato de registo: ata, plataforma, email validado, ordem de alteração;
- regra de ouro: “sem registo, não existe” - para proteger todas as partes.
Quando isto está alinhado, a obra não fica “sem problemas”. Fica com problemas tratáveis, com um caminho claro para os resolver.
Como montar o alinhamento em 30 dias (sem parar a produção)
Nem sempre há tempo para refazer tudo. Ainda assim, é possível recuperar controlo rapidamente se a coordenação de projeto for tratada como rotina, não como intervenção pontual.
Um plano simples, usado por muitas equipas, parece-se com isto:
- Semana 1: auditoria de versões, lacunas e interfaces; mapa de riscos por especialidade.
- Semana 2: reunião de compatibilização focada nos 10 pontos críticos; decisão e registo.
- Semana 3: calendarização de respostas (RFI/submittals) e “janela” semanal de decisões.
- Semana 4: estabilização: revisão do que mudou, atualização do planeamento e comunicação ao estaleiro.
O ganho não é teórico. Menos paragens, menos trabalhos a desfazer, menos “surpresas” em medições.
| Elemento | O que define | Resultado típico |
|---|---|---|
| Coordenação | compatibilização e decisão técnica | menos interferências e retrabalho |
| Acordo | governança e responsabilidades | menos conflitos e atrasos por validação |
O custo invisível de não alinhar (e por que aparece tarde demais)
O custo que mais dói raramente é o material. É o tempo perdido em espera, a produtividade que cai porque as frentes não encaixam, e a degradação da confiança entre equipas. Quando a confiança baixa, cada pedido vira disputa e cada dúvida vira proteção: “manda por escrito”.
A coordenação de projeto e o acordo de partes interessadas evitam precisamente isto: que a obra seja conduzida por fricção. A obra anda melhor quando as decisões não dependem de humor, urgência ou memória - dependem de um processo aceite.
Checklist rápido para saber se a sua obra está alinhada
- Existe uma lista oficial de peças e versões em vigor?
- As interferências críticas foram revistas e fechadas antes de executar?
- Há um canal único para RFIs e prazos claros de resposta?
- Quem aprova alterações está definido e é respeitado?
- O estaleiro recebe atualizações com registo e data, sem “prints” soltos?
Se a resposta dá hesitação, o alinhamento não está consolidado. E é aí que as obras, por experiência, raramente correm bem.
FAQ:
- Como sei se preciso de coordenação de projeto dedicada? Se há várias especialidades, alterações frequentes, ou dúvidas repetidas em obra, uma coordenação dedicada paga-se rapidamente em redução de retrabalho e paragens.
- O acordo de partes interessadas substitui o contrato? Não. Complementa-o com regras operacionais do dia a dia (decisão, validação, prazos, registos) que o contrato raramente detalha com utilidade prática.
- E se o cliente muda de ideias a meio? A mudança pode acontecer, mas deve passar por um processo de alteração com impacto em custo/prazo e aprovação formal, para não contaminar toda a produção.
- Basta fazer uma reunião de arranque? Ajuda, mas não chega. O alinhamento exige rotina: versões controladas, decisões registadas e cadência de compatibilização ao longo da obra.
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