Há um momento numa obra em que o ruído deixa de ser “normal” e passa a ser constante: um telefonema a desoras, uma alteração de última hora, um empreiteiro à espera de uma decisão que ninguém quer assumir. É aí que a coordenação de projeto deixa de ser um luxo e passa a ser o travão de emergência - sobretudo quando falha o alinhamento das partes interessadas entre dono de obra, projetistas, fiscalização e equipa de execução. E o custo desse desalinhamento não aparece só na fatura: aparece na fricção diária, nos atrasos e na perda de confiança.
Nem sempre é um grande erro técnico. Muitas vezes é uma soma de pequenos “entendimentos” diferentes: o que estava no caderno de encargos vs. o que foi dito na reunião; o que o projeto prevê vs. o que o estaleiro consegue montar; o que o cliente imaginou vs. o que está licenciado. A obra anda, mas anda torta - e a correção vem sempre mais cara.
O alinhamento que quase ninguém faz… até ser tarde
O alinhamento das partes interessadas não é uma reunião bonita com powerpoints. É garantir que todos estão a jogar o mesmo jogo, com as mesmas regras, antes de começar a correr. Quando isso falha, a obra transforma-se num “telefone estragado” com betão e prazos.
Um exemplo simples, demasiado comum: o cliente pede “tetos limpos e minimalistas”, o arquiteto desenha sancas invisíveis, e o projetista de AVAC precisa de grelhas e acessos. Sem coordenação de projeto a fazer a ponte, o conflito só aparece quando o teto já está fechado - e, de repente, há cortes, remendos e discussões sobre “de quem é a culpa”.
O problema não é haver interesses diferentes. O problema é ninguém os tornar explícitos e compatíveis.
Onde nascem os conflitos constantes (e como se repetem)
Os conflitos em obra têm padrões. Se os reconhece, é porque já os viveu - ou está prestes a vivê-los.
- Decisões sem dono: todos opinam, ninguém aprova, e o estaleiro fica parado à espera.
- Alterações não registadas: “só uma mudança pequena” que não entra em desenho, mapa de quantidades ou prazo.
- Projetos em silos: arquitetura de um lado, estruturas do outro, especialidades a correr atrás.
- Expectativas desalinhadas: qualidade, prazos e orçamento nunca foram acordados de forma objetiva.
- Informação que chega tarde: medições, detalhes e compatibilizações aparecem quando já há material encomendado.
A repetição é o que desgasta: cada semana tem a sua “surpresa”, cada surpresa abre uma exceção, e cada exceção vira precedente.
O que a coordenação de projeto deve fazer na prática (não na teoria)
A coordenação de projeto existe para reduzir ambiguidade antes de ela virar litígio. Não é “mais uma camada”; é a função que fecha pontas soltas entre pessoas, documentos e decisões.
O trabalho útil costuma parecer aborrecido: perguntar, confirmar, registar, cruzar. Mas é precisamente isso que impede que a obra viva de interpretações.
Três rotinas que mudam o jogo
- Reunião de alinhamento com ata objetiva (curta, mas completa): decisões, responsáveis, datas e impactos.
- Compatibilização sistemática: não “quando der”, mas em marcos do projeto (ex.: antes de concurso, antes de obra, antes de encomendas críticas).
- Gestão de alterações: qualquer mudança tem de responder a três perguntas: o que muda, quanto custa, quanto atrasa.
E um detalhe que quase ninguém valoriza: um “não” atempado vale mais do que um “logo se vê” simpático.
Um mini-checklist para alinhar antes de abrir o estaleiro
Se tiver de resumir o alinhamento das partes interessadas a um ritual curto, é este. Dá trabalho numa tarde e poupa semanas de desgaste.
- Objetivo comum escrito: o que é “sucesso” para esta obra (prazo, qualidade, custo, operação)?
- Escopo fechado (ou assumidamente aberto): o que está incluído e o que não está.
- Responsabilidades claras: quem decide o quê (e em quanto tempo).
- Critérios de qualidade mensuráveis: materiais, tolerâncias, amostras, mockups quando necessário.
- Canais e cadência de comunicação: uma fonte de verdade para documentos, uma periodicidade para decisões.
- Riscos assumidos: acessos, fornecimentos, interfaces com entidades, licenças e condicionantes.
Se isto não existir, a obra não fica “mais flexível”. Fica mais vulnerável.
O sinal mais claro de desalinhamento: a obra fica pessoal
Quando falta alinhamento, as conversas deixam de ser sobre soluções e passam a ser sobre intenções. “Vocês disseram”, “nós percebemos”, “sempre foi assim”. A obra fica emocional, e isso é péssimo para decidir bem.
Uma coordenação de projeto competente baixa a temperatura: transforma opiniões em requisitos, requisitos em desenhos, desenhos em planos, planos em execução. E quando há conflito - porque haverá - ele aparece cedo, em papel, e não tarde, com trabalho feito.
“A obra não falha no dia em que se engana um detalhe. Falha no dia em que ninguém sabe quem tem de decidir - e com base em quê.”
| Ponto-chave | O que fazer | Ganho direto |
|---|---|---|
| Alinhamento inicial | Definir sucesso, escopo e responsabilidades | Menos paragens e menos “surpresas” |
| Compatibilização | Cruzar especialidades antes de encomendas | Menos retrabalho e desperdício |
| Gestão de alterações | Registar impacto em custo/prazo/qualidade | Menos conflito e decisões mais rápidas |
FAQ:
- O que significa, na prática, alinhamento das partes interessadas numa obra? Significa garantir que dono de obra, projetistas, fiscalização e empreiteiro partilham objetivos, prioridades, critérios de qualidade e processo de decisão - por escrito e antes da execução crítica.
- A coordenação de projeto substitui a fiscalização? Não. A coordenação foca-se na coerência e integração do projeto e nas decisões entre disciplinas; a fiscalização acompanha a execução e a conformidade em obra. Funcionam melhor em conjunto.
- Como evitar discussões intermináveis sobre alterações? Com um processo simples: nenhuma alteração avança sem registo, responsável, e impacto estimado em custo, prazo e qualidade aprovado por quem decide.
- Qual é o primeiro “sintoma” de desalinhamento? Informações contraditórias: desenhos diferentes para o mesmo elemento, decisões verbais sem ata, e equipas a trabalhar com versões distintas do projeto.
- Vale a pena investir em coordenação de projeto em obras pequenas? Sim, porque o risco não escala só com a dimensão; escala com interfaces e pressão de prazo. Em obras pequenas, um erro pode ter impacto proporcionalmente maior no orçamento e no relacionamento entre partes.
Comentários (0)
Ainda não há comentários. Seja o primeiro!
Deixar um comentário