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Porque aceitar tudo “para avançar” sai caro

Duas pessoas analisam e assinam um acordo contratual sobre uma mesa com papéis, gráfico, medidor e smartphone.

Um acordo de construção é, muitas vezes, assinado num momento de pressão: “temos de arrancar”, “o empreiteiro só segura o preço até amanhã”, “depois logo se vê”. É aí que um âmbito indefinido entra pela porta - não como detalhe técnico, mas como risco financeiro e emocional para quem paga. O problema não é avançar depressa; é avançar sem fronteiras claras.

Na obra, quase tudo parece razoável até chegar a primeira dúvida: quem decide? quem paga? o que está incluído? E quando a resposta é “depende”, o custo já começou a subir.

O “sim” rápido costuma esconder um “depende” caro

O impulso de avançar é humano - e é explorado

Quem está a construir ou a remodelar está cansado de esperar: licenças, projetos, bancos, fornecedores. Quando finalmente há alguém disponível para começar, aceitar “um bocadinho em aberto” soa a pragmatismo. Só que, na prática, “em aberto” raramente fica pequeno.

Um âmbito indefinido cria espaço para interpretações. E numa obra, interpretação é sinónimo de disputa: o empreiteiro acha que não estava incluído; o dono de obra acha que era óbvio. No meio, o calendário derrapa e o orçamento ganha vida própria.

Se não está escrito, não está combinado - e na construção isso aparece sempre em forma de extra.

O custo não é só dinheiro: é ritmo, confiança e controlo

O primeiro extra dói, mas ainda se tolera. O segundo já cria fricção. A partir do terceiro, a relação começa a funcionar por “micro-negociações” diárias: cada tomada, cada remate, cada alteração vira conversa, preço e prazo.

E há um efeito silencioso: quando sente que já “investiu demasiado para parar”, aceita mais coisas só para não travar. É assim que um “para avançar” se transforma num “para não perder tudo”.

Onde o âmbito indefinido mais aparece (e como se disfarça)

As frases que parecem inofensivas e dão problemas

Alguns termos repetem-se em muitos acordos de construção e são bandeiras amarelas, sobretudo quando não vêm acompanhados de anexos, medições ou critérios:

  • “Inclui trabalhos necessários”
  • “Acabamentos conforme standard”
  • “Instalações conforme projeto” (sem listar o que está orçamentado)
  • “Qualquer ajuste será acordado em obra”
  • “Preço estimado” (sem limites e sem método de revisão)

Nada disto é automaticamente errado. O risco está quando estas fórmulas substituem a lista concreta do que entra e do que fica fora.

As zonas cinzentas mais comuns

Se tiver de escolher onde colocar a lupa, comece por aqui. São itens que, por experiência, geram mais “surpresas”:

  • Preparação do terreno e movimentação de terras
  • Demolições, remoção de entulhos e taxas de descarga
  • Impermeabilizações (quais, onde e com que sistema)
  • Carpintarias, roupeiros e mobiliário fixo
  • Caixilharias (vidro, ferragens, estores, redes)
  • Pinturas (número de demãos, qualidade, primários)
  • Ligações a redes (água, esgotos, eletricidade, telecom)

Quando não há descrição, surgem duas obras diferentes: a que o cliente imaginou e a que o orçamento comporta.

O mecanismo dos “extras”: como a obra passa a ser outra

Uma mudança pequena raramente custa pequeno

Na teoria, o extra é “só mais isto”. Na prática, mexe em sequência, equipas e materiais. Uma parede que muda de sítio mexe em eletricidade, pavimento, tetos falsos, pintura e, às vezes, em licença. Um revestimento “um pouco melhor” altera cola, juntas, mão-de-obra e prazos de entrega.

O pior é quando os extras não têm regra. Sem um processo claro, cada pedido vira urgência, e a urgência é o ingrediente mais caro em qualquer obra.

Um processo simples evita 80% dos conflitos

Não é preciso burocracia pesada. Precisa de um ritual curto e repetível para cada alteração:

  1. Descrição objetiva do que muda (com referência ao item original).
  2. Preço do extra (ou método de cálculo) e impacto no prazo.
  3. Aprovação por escrito antes de executar.

Parece óbvio, mas em obra o “já agora” tem muita força. Um acordo de construção bem montado não depende da memória do estaleiro.

O que definir para avançar rápido sem perder o controlo

Três anexos que valem mais do que “boas intenções”

Se quer velocidade com segurança, a chave é anexar clareza. Na maioria dos casos, estes três documentos mudam o jogo:

  • Mapa de trabalhos e medições (o que está incluído, quantidades, unidades)
  • Caderno de encargos simplificado (materiais, marcas ou gamas, critérios mínimos)
  • Cronograma com marcos (o que tem de estar pronto para o pagamento seguinte)

Quando não há medições, discute-se “sensação”. Quando há medições, discute-se números - e isso é mais rápido de resolver.

Um “fora do âmbito” explícito protege ambas as partes

Curiosamente, listar o que não está incluído reduz tensão. Obriga a conversa difícil no início, quando ainda é barata. Exemplos típicos de exclusões que convém escrever, se for o caso:

  • Projetos, licenças e taxas camarárias
  • Estudos (geotecnia, estabilidade, térmica/acústica)
  • Fornecimento de equipamentos (cozinha, sanitários, iluminação decorativa)
  • Trabalhos de terceiros (ar condicionado, painéis, domótica)

A clareza não é desconfiança. É gestão.

Um teste rápido antes de assinar: “Se isto falhar, o que acontece?”

Antes de aceitar “para avançar”, faça um exercício que evita muitos arrependimentos: imagine que há um desacordo sério a meio. Onde é que o contrato o resolve - e onde é que o contrato o empurra para discussão?

Verifique, pelo menos, estes pontos:

  • Como se medem e aprovam trabalhos a mais e a menos
  • O que acontece em atrasos (por culpa de quem e com que consequência)
  • Como são feitos os pagamentos (por marcos verificáveis, não por datas vagas)
  • Quem fornece materiais e quem responde por defeitos
  • Como se faz a receção da obra e a correção de anomalias

Uma obra tem sempre imprevistos. O que não pode ser imprevisto é a regra do jogo.

O “para avançar” que compensa

Avançar não é ceder tudo; é escolher o que fica fixo e o que pode variar, com limites. Quando o âmbito está definido, negocia-se melhor, decide-se mais depressa e discute-se menos. E isso, no fim, é o que realmente acelera a obra: menos ruído, menos extras, menos arrependimento.

FAQ:

  • Como sei se o meu contrato tem âmbito indefinido? Procure descrições genéricas (“standard”, “necessário”, “conforme em obra”) sem anexos de medições, materiais e exclusões. Se não consegue apontar onde está escrito o que inclui, está indefinido.
  • É possível assinar e clarificar depois? É possível, mas fica mais caro. Se tiver mesmo de avançar, faça pelo menos uma lista de inclusões/exclusões e um processo de aprovação de extras antes do arranque.
  • “Preço fechado” elimina o risco? Reduz, mas não elimina. Se o âmbito estiver mal definido, o “fechado” fecha apenas o que o empreiteiro interpretou como incluído - o resto reaparece como extra.
  • O que é mais importante: medições ou caderno de encargos? Os dois. Medições dão quantidade; caderno de encargos dá qualidade. Um sem o outro cria discussões diferentes, mas igualmente caras.

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