Saltar para o conteúdo

Porque “já fizemos assim antes” é perigoso

Três pessoas em reunião, com papéis e portátil na mesa, quadro branco ao fundo, uma pessoa tira foto com telemóvel.

A frase sai quase sempre sem maldade, dita no corredor ou no fim de uma reunião: “já fizemos assim antes”. No meio de um processo de renovação, ela costuma vir acompanhada de práticas desatualizadas que parecem inofensivas - até ao dia em que deixam de ser. E é relevante porque esse hábito não falha só a inovação: falha o risco, a eficiência e a confiança de quem depende do resultado.

Acontece em equipas pequenas e em organizações enormes. A rotina dá conforto, sobretudo quando há pressão e pouco tempo. Mas a mesma rotina, repetida sem verificação, torna-se um atalho para decisões piores do que as que tentaríamos com a cabeça fresca.

O conforto da repetição (e o preço escondido)

“Antes funcionou” é uma memória, não é uma prova. O contexto muda: clientes mudam, tecnologia muda, a equipa muda, e até a tolerância ao erro muda. O problema não é aproveitar experiência; é usar a experiência como substituto de validação.

Há também um truque psicológico: o que é familiar parece mais seguro. O cérebro gosta de caminhos já abertos, mesmo quando o mapa foi redesenhado. E quando algo corre mal, a repetição ainda nos dá uma desculpa fácil: “não inventámos, só seguimos o que sempre fizemos”.

O que “já fizemos assim” costuma esconder

Quase nunca é sobre teimosia. É sobre fricção. Atualizar dá trabalho, obriga a explicar escolhas, a documentar, a medir. Repetir poupa minutos hoje e custa semanas amanhã.

Três sinais de alerta aparecem frequentemente quando a frase entra no vocabulário de equipa:

  • Dependência de pessoas-chave: “sempre foi a Ana a tratar disto”.
  • Falta de critérios: decide-se por hábito, não por requisitos.
  • Ausência de aprendizagem: erros repetem-se com nomes diferentes.

E há um quarto sinal, mais silencioso: quando a equipa já nem sabe por que razão faz daquela forma. Só sabe que faz.

O processo de renovação que falha por ser “cosmético”

Muitas iniciativas de mudança começam com energia e acabam em maquilhagem: muda-se o template, o organigrama, a ferramenta. O procedimento real mantém-se, só ganhou uma nova capa. Isso cria uma sensação perigosa de progresso sem melhoria.

Um processo de renovação sério mexe no miolo: quem decide, com base em que dados, com que controlos e com que margem para ajustar. Se a frase “já fizemos assim antes” continua a ser o argumento final, a renovação vira cenário - e os problemas antigos encontram caminho para regressar.

Um exemplo comum (demasiado comum)

Uma equipa mantém um processo manual de aprovações por e-mail porque “sempre foi assim”. Quando o volume cresce, começam as perdas: versões erradas, aprovações duplicadas, prazos falhados. O custo não aparece numa linha do orçamento, mas aparece nas horas, nas desculpas ao cliente e na erosão da confiança interna.

O mais irónico é que, muitas vezes, a equipa trabalha mais para defender o hábito do que trabalharia para o substituir.

Trocar o “já fizemos” por perguntas melhores

Não precisa de dramatizar cada decisão. Precisa de criar um pequeno ritual de verificação que caiba na semana real, não na semana ideal.

Experimente estas perguntas, simples e desconfortáveis na medida certa:

  1. O que mudou desde a última vez? (volume, risco, pessoas, ferramentas, legislação)
  2. Qual é o custo de estar errado? (dinheiro, reputação, segurança, tempo)
  3. Que sinal nos dirá cedo que isto não está a funcionar? (um indicador, um prazo, um “alarme”)
  4. O que podemos testar em pequeno? (um piloto, uma sprint, um cliente interno)

A ideia não é complicar. É trocar “tradição” por “critério”.

Como atualizar sem partir tudo (e sem parar a operação)

A resistência cresce quando a mudança parece total. Em vez de reescrever o mundo, troque peças.

  • Documente o “as-is” em 30 minutos: passos, responsáveis, pontos de decisão, falhas frequentes.
  • Escolha um ponto de dor: onde se perde mais tempo, onde há mais retrabalho, onde o risco é maior.
  • Faça uma alteração de cada vez: uma regra, um formulário, um limite de tempo, uma automação pequena.
  • Crie um dono do processo: alguém responsável por manter a versão atual, não por “guardar o hábito”.
  • Meça antes/depois: tempo de ciclo, erros, retrabalho, satisfação de quem recebe.

Se não houver medição, a equipa volta ao que conhece - não porque é melhor, mas porque é mais fácil de defender.

“Já fizemos assim antes” é uma frase confortável. O problema é que conforto não é evidência.

Ponto-chave O que revela Ação rápida
Hábito vira argumento Falta de critérios claros Definir “o que tem de ser verdade” para manter o método
Renovação cosmética Muda a forma, não muda o miolo Alterar decisões, controlos e métricas, não só ferramentas
Risco invisível Erros só aparecem tarde Criar sinais de alerta e testes pequenos

FAQ:

  • O que respondo quando alguém diz “já fizemos assim antes”? Pergunte “o que mudou desde então?” e “qual é o custo se isto falhar?”. Obriga a sair do hábito e entrar no contexto.
  • Como sei se estamos presos a práticas desatualizadas? Se o processo depende de pessoas específicas, não tem métricas e ninguém sabe explicar a lógica original, provavelmente está desatualizado.
  • Renovar é sempre mudar ferramentas? Não. Muitas vezes é clarificar decisões, reduzir passos, definir critérios e criar feedback rápido - a ferramenta vem depois.
  • Como evitar que a equipa volte ao antigo? Documente a nova versão, atribua um responsável, defina métricas simples e marque uma revisão curta (ex.: 30 dias) para ajustar com dados.

Comentários (0)

Ainda não há comentários. Seja o primeiro!

Deixar um comentário