A renovação faseada soa sensata: fazer obras em casa “aos poucos”, divisão por divisões, conforme há tempo e dinheiro. O problema é que, na prática, essa escolha costuma trazer uma ineficácia de custos quase invisível no início - e muito óbvia quando já vai na terceira poeira, no quarto atraso e na quinta chamada para o empreiteiro. Se está a ponderar avançar assim, vale a pena perceber onde é que o dinheiro se perde e como evitar as armadilhas mais comuns.
Há também um lado emocional que ninguém põe no orçamento. A obra faseada raramente é “uma fase”; transforma-se num modo de vida, com a casa permanentemente a meio caminho entre o que era e o que deveria ser.
O “não faz mal, depois trato” que encarece tudo
Começa pequeno. Troca-se o chão da sala “para já”, a cozinha fica para “mais tarde”, e a casa de banho “logo se vê”. Parece gestão prudente, mas a obra vive de sequência: quando se quebra essa sequência, paga-se em duplicado.
O custo não sobe porque os materiais ficaram mais caros (às vezes até ficam). Sobe porque cada recomeço é uma mini-obra completa: montar estaleiro, proteger áreas, mobilizar equipa, fazer medições, comprar, transportar, limpar, voltar a fechar.
O dia em que percebe que pagou duas vezes (e nem notou)
Há um momento típico em obras por fases: o dia em que volta a pagar por algo que já tinha pago. O exemplo clássico é o “remate”. Da primeira vez, fechou-se o rodapé, pintou-se, selou-se. Meses depois, volta-se a abrir porque afinal era preciso passar um cabo, corrigir uma tubagem, ou alinhar alturas com o novo pavimento da divisão ao lado.
Ninguém lhe diz “vai pagar duas vezes”. Só acontece, discretamente, em linhas soltas de orçamento: “desmontagem”, “protecções”, “reposições”, “retoques”.
Onde a renovação faseada costuma falhar (em silêncio)
Mobilizações repetidas: o custo de “vir cá só fazer isto”
Cada fase exige deslocações, preparação e tempo morto entre tarefas. Um profissional não cobra só o gesto; cobra o contexto: chegar, descarregar, montar, garantir que não estraga o que já está feito, e conseguir trabalhar com limitações.
Em obra contínua, esse contexto dilui-se. Em obra faseada, repete-se. E cada repetição é dinheiro.
Protecções e limpezas: a despesa que não aparece na fotografia
Quando se faz tudo de uma vez, protege-se uma vez. Quando se faz por etapas, protege-se sempre: plásticos, cartão, fita, tapetes de protecção, vedação de pó, e horas de limpeza para manter a casa minimamente habitável.
O pó não respeita “fases”. Entra em gavetas, tecidos, eletrodomésticos, e obriga a mais tempo de obra não produtivo - tempo pago.
Retrabalho: o inimigo número um do orçamento
Obras são interdependentes. Um chão conversa com portas. Portas conversam com rodapés. Rodapés conversam com pintura. Pintura conversa com iluminação. Quando se fecha uma fase sem saber exactamente como será a seguinte, cresce a probabilidade de desfazer.
E desfazer é quase sempre mais caro do que fazer: demora mais, estraga materiais, e cria “remendos” que exigem mais acabamento.
A casa como estaleiro permanente: o custo que não está na fatura
A ineficácia de custos não é só financeira. É também viver meses (ou anos) com a casa em suspenso, o que cria decisões apressadas: “escolha isso, só para despachar”, “instale já, depois logo se vê”, “pinte assim, para ficar apresentável”.
Depois paga-se o imposto invisível: escolhas provisórias que viram definitivas, e definitivos que acabam por ser substituídos.
Alguns custos típicos “de vida” numa obra faseada:
- refeições fora porque a cozinha está sempre em transição
- armazenamento extra (arrecadação, garagem cheia, contentores)
- pequenas reparações para “aguentar até à próxima fase”
- stress e tempo perdido em coordenação, chamadas e conflitos de agenda
O que encarece mais: obras repetidas ou decisões adiadas
Adiar decisões parece reduzir risco, mas aumenta incerteza. E a incerteza, em obra, transforma-se em margem de segurança (mais cara) ou em surpresas (ainda mais caras).
Quando não existe um projecto claro do todo - mesmo que a execução seja faseada - aparecem incompatibilidades: alturas, níveis, pontos de água, iluminação mal posicionada, tomadas que deixam de fazer sentido quando muda o layout. É o tipo de erro que não se nota no dia, mas cobra juros mais tarde.
Quando a renovação faseada faz sentido (e como não cair no buraco)
Há casos em que fasear é inevitável: orçamento limitado, necessidade de habitar a casa, obras urgentes por segurança. O problema não é a fase em si; é fasear sem plano e sem ligações preparadas.
Se tiver mesmo de avançar “aos poucos”, há um conjunto de escolhas que costuma salvar milhares:
- Projecto global primeiro. Mesmo que execute por etapas, desenhe e decida o todo (layout, materiais, níveis, pontos eléctricos e hidráulicos).
- Infraestruturas antes de acabamentos. Priorize redes: eletricidade, canalização, AVAC, dados. O bonito deve fechar por cima do funcional.
- Fases por sistemas, não por divisões. Às vezes é mais barato fazer “toda a eletricidade” de uma vez do que “um quarto agora, outro depois”.
- Materiais consistentes e stock planeado. Certos pavimentos, azulejos e tintas mudam de lote; voltar meses depois pode não casar.
- Contrato com regras de mobilização. Negocie custos de deslocação e condições para fases futuras, para evitar “taxa de recomeço” a cada etapa.
Um teste simples: se parar hoje, fica bem?
Antes de fechar uma fase, faça a pergunta que dói: se eu tiver de parar aqui durante seis meses, isto fica habitável e bem resolvido? Se a resposta for “mais ou menos”, está a comprar retrabalho.
A obra faseada que corre bem parece aborrecida: é planeada, preventiva e cheia de decisões fechadas cedo. A que corre mal parece “flexível” - até ao dia em que flexibilidade vira factura.
Um mini-guia de sinais de alerta (para agir antes de rebentar)
Alguns sinais de que a renovação está a entrar no modo caro:
- há “retoques” em quase todas as visitas da equipa
- o orçamento tem muitas linhas de desmontagem/reposição
- as fases dependem de “logo se decide” (materiais, alturas, layout)
- há áreas novas que já parecem antigas por diferenças de acabamento
- o tempo de obra útil (fazer) é menor do que o tempo de obra chato (proteger, limpar, esperar)
Se se reconhece aqui, não significa que está condenado. Significa que precisa de transformar “aos poucos” em “por etapas bem desenhadas”, com um mapa do todo e ligações preparadas para o que vem a seguir. Isso, sim, é fasear com controlo - e sem pagar juros escondidos.
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