O ecrã fica cheio de checklists, o cronograma parece sólido, e ainda assim há um desconforto difícil de nomear: tens um artífice no projeto, competente e disponível, mas a incompatibilidade de projeto faz com que nada encaixe com naturalidade. Isto aparece em equipas de obra, em produto digital, em consultoria - onde o problema não é “falta de talento”, é o talento estar a trabalhar contra a forma do trabalho. E para quem lidera, paga, ou depende do resultado, esta diferença custa tempo, dinheiro e moral.
Já vi isto acontecer de forma silenciosa: o profissional entrega sempre “qualquer coisa”, cumpre, não falha, mas tudo sai pesado. As reuniões alongam-se, as revisões multiplicam-se, e ninguém consegue explicar porquê sem soar ingrato. A sensação é a de tentar cortar pão com uma faca boa… mas de manteiga.
O desconforto típico: quando a competência não se transforma em progresso
A incompatibilidade de projeto raramente se apresenta como um desastre imediato. Ela começa como pequenos atritos: decisões que demoram, retrabalho que parece “normal”, detalhes que viram discussões de princípio. O artífice, habituado a fazer bem, tenta compensar com mais rigor e mais horas, e o projeto responde com mais fricção.
A certa altura, surge a frase perigosa: “Ele é ótimo, só não está a funcionar aqui.” Não é insulto, é diagnóstico. E quanto mais cedo o tratares como diagnóstico, menos probabilidades tens de o transformar num conflito pessoal.
Pior do que escolher mal é insistir tarde. Porque a insistência cria uma narrativa injusta: o projeto passa a “expor” falhas do profissional, e o profissional passa a “atrasar” o projeto - quando, muitas vezes, o encaixe é que está errado.
Sinais práticos de incompatibilidade de projeto (antes de virar drama)
Há sinais que aparecem em quase todos os contextos, com nomes diferentes mas o mesmo padrão. O truque é vê-los como indicadores de ajuste, não como defeitos de caráter.
- Qualidade alta, impacto baixo: entrega bonita, mas não resolve o problema central.
- Muita clareza local, pouca visão do todo: otimiza a peça, mas perde o sistema.
- Discussões sobre método, não sobre resultado: a energia vai para “como se faz” e não para “o que tem de mudar”.
- Dependência de validação constante: o profissional pede confirmação para avançar, e o projeto precisa de autonomia (ou o inverso).
- Retrabalho recorrente no mesmo ponto: as correções não fecham; abrem novas versões do mesmo tema.
Se estás a pensar “isto parece a nossa semana”, vale a pena parar. Não para culpar, mas para escolher a intervenção certa.
Porque isto acontece: o projeto tem uma personalidade (e uma temperatura)
Projetos não são só tarefas. Têm ritmo, tolerância ao risco, grau de incerteza e tipo de decisão. Um artífice excelente num contexto de execução previsível pode sofrer num contexto exploratório, onde o “certo” só aparece depois de três tentativas. E um profissional brilhante em improviso pode perder-se num projeto que pede consistência e documentação.
Há também a “temperatura” do projeto: urgência real vs urgência teatral, stakeholders ansiosos, dependências externas, requisitos que mudam. Alguns profissionais ficam melhores sob pressão; outros precisam de estabilidade para produzir o seu melhor trabalho. Nenhum desses perfis é superior. Só são diferentes.
E existe um detalhe que quase ninguém diz em voz alta: a incompatibilidade de projeto pode ser criada pela liderança. Um briefing vago, prioridades que mudam semanalmente, ou critérios de aceitação que só aparecem depois da entrega fazem até um bom profissional parecer “difícil”.
O ajuste que salva relações: redesenhar o encaixe, não “consertar” a pessoa
Antes de trocares de profissional ou de o deixares a definhar, tenta um redesenho do encaixe. Isto não é um workshop infinito; é uma intervenção curta, clara, com teste rápido.
1) Clarifica o “output certo” em duas linhas
Escreve - e concorda - em algo simples:
- O que é “bom” aqui?
- O que é “feito” aqui?
Se não consegues responder sem parágrafos, o problema pode ser o projeto, não o artífice. Quando o critério fica nítido, parte da fricção desaparece por falta de espaço para interpretações.
2) Muda o tipo de tarefa, não a pessoa
Muitas vezes o artífice está a fazer o trabalho errado dentro do projeto certo. Exemplo comum: alguém meticuloso a gerir urgências; alguém rápido a fazer tarefas que exigem repetição.
Trocas pequenas ajudam:
- passar de “criar do zero” para “refinar e finalizar” (ou o inverso)
- concentrar o profissional em peças fechadas em vez de coordenação difusa
- reduzir o número de interfaces (menos gente a opinar, menos ruído)
3) Dá um “contrato de 2 semanas” com indicadores visíveis
Define um período curto para testar o novo encaixe. Não é ameaça; é proteção para ambos.
Indicadores simples: - menos revisões por entrega - decisões mais rápidas - menos perguntas repetidas - sensação de “andar para a frente” (sim, também conta)
Se em duas semanas nada mexer, é informação. E informação poupa ressentimento.
Quando a melhor decisão é tirar a pessoa do projeto (com respeito)
Há momentos em que insistir vira crueldade. Se o profissional está a perder confiança, se a equipa já fala dele como obstáculo, ou se o projeto está a consumir energia emocional em excesso, a saída pode ser a opção mais profissional.
A forma como fazes isso é o que separa liderança de impulsividade. Diz o essencial, sem tribunal:
- “O teu trabalho é bom, mas o projeto precisa de um perfil diferente neste momento.”
- “Quero evitar que isto se transforme numa avaliação injusta da tua competência.”
- “Vamos encontrar um contexto onde o teu modo de trabalhar seja vantagem, não fricção.”
Se houver alternativa interna, propõe-a. Se não houver, fecha com dignidade e clareza de prazos. A pessoa vai lembrar-se mais do teu tom do que da tua decisão.
Um pequeno mapa para não voltares ao mesmo sítio
A compatibilidade não se adivinha; desenha-se. Antes do próximo projeto, faz três perguntas como se estivesses a escolher ferramenta, não a julgar talento:
- Este trabalho é mais exploração ou execução?
- O risco aqui é mais técnico ou político (stakeholders, alinhamento, expectativas)?
- Precisamos de alguém mais autónomo ou mais colaborativo/iterativo?
Quando acertas no encaixe, o artífice parece “ainda melhor” sem ter mudado nada. E o projeto deixa de pedir heroísmo para pedir apenas consistência - que é onde os bons resultados vivem.
| Ajuste rápido | O que muda | Sinal de que funcionou |
|---|---|---|
| Critérios de “bom” e “feito” | Menos ambiguidade | Revisões encurtam |
| Troca de tipo de tarefa | Melhor encaixe de perfil | Entregas ganham ritmo |
| Teste de 2 semanas | Decisão sem drama | Menos fricção, mais avanço |
FAQ:
- Como sei se é incompatibilidade de projeto ou falta de competência? Se a pessoa já teve bons resultados noutros contextos e aqui há muita fricção com retrabalho e indefinição, tende a ser encaixe. Se faltam fundamentos técnicos repetidamente, pode ser competência.
- Vale a pena “aguentar mais um mês” para ver se melhora? Melhor fazer um teste curto (1–2 semanas) com mudanças claras. A espera sem intervenção costuma só cristalizar ressentimento.
- E se o problema for o meu briefing/liderança? Ótimo - é o cenário mais fácil de corrigir. Clarifica critérios, reduz mudanças de prioridade e protege tempo de foco; depois reavalia.
- Como retiro alguém do projeto sem o desmotivar? Separa pessoa de contexto: elogia o valor real, explica a necessidade do projeto, oferece alternativa concreta (se existir) e fecha com respeito e prazos claros.
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