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Se ninguém controla o processo, os custos fogem rapidamente

Dois homens discutem documentos de construção numa mesa com ferramentas, cadernos e um tablet.

A obra até pode começar com entusiasmo e um orçamento “bem pensado”, mas há um momento em que a alegria passa a ansiedade. É quando chegam as primeiras faturas fora do previsto e ninguém consegue explicar porquê. Nessa altura, a gestão da construção deixa de ser um tema técnico e passa a ser uma questão de sobrevivência do projeto, porque sem controlo de custos o dinheiro evapora-se em pequenas decisões diárias.

O problema raramente é um grande erro dramático. É o acumular de micro-desvios: uma alteração “rápida”, um preço “só um bocadinho acima”, uma semana perdida que puxa outra. Quando se dá por ela, o orçamento já não é um plano - é uma memória.

Quando ninguém segura o volante, o orçamento faz curvas sozinho

Veja uma obra como um sistema em movimento. Materiais chegam, equipas entram e saem, o dono de obra pede ajustes, o projeto clarifica-se a meio, o fornecedor muda prazos. Se não existe um ponto claro de decisão - alguém que valida, regista e compara - cada parte otimiza para si e o custo total cresce sem que ninguém o “veja” a tempo.

Os primeiros dias de derrapagem são os mais perigosos, porque parecem inofensivos. Uma betonagem que exige mais horas. Um remate que ficou “melhor assim”. Um encaixe que afinal pede outra peça. A obra continua, o calendário empurra, e a conta soma.

O que torna isto traiçoeiro é a sensação de normalidade. A equipa está a trabalhar, o edifício está a subir, e por fora parece progresso. Por dentro, o orçamento está a ser corroído por decisões sem rasto.

O padrão por trás dos custos que fogem

Há três gatilhos quase universais quando o processo não é controlado: decisões sem aprovação, medições sem validação e mudanças sem impacto calculado. Basta falhar um deles para o resto começar a “compensar” no pior sentido: com improviso e urgência, que são sempre caros.

O controlo de custos não é só “ver faturas”. É criar um mecanismo simples onde nada avança sem uma resposta a duas perguntas: “Isto era o que estava previsto?” e “Se não era, quem autorizou e com que impacto?”.

Sinais típicos de que o orçamento já está a escapar:

  • Trabalhos a mais surgem descritos como “ajustes” ou “pequenas correções”.
  • O empreiteiro pede adiantamentos para “não parar a obra”.
  • O dono de obra já não sabe distinguir extra de previsto.
  • O mapa de quantidades deixa de ser consultado e passa a ser um ficheiro esquecido.
  • Há discussões sobre preço depois do trabalho estar feito (tarde demais).

A “rotina de travão” que evita a derrapagem

A maioria das obras não precisa de um sistema pesado. Precisa de um travão repetível: um ritual curto, semanal, que impede que as decisões se transformem em custos sem dono. Pense nisto como uma barreira entre a obra e o orçamento - não para abrandar tudo, mas para impedir que o caos passe direto.

Uma rotina mínima que funciona, mesmo com equipas pequenas:

  1. Reunião semanal de 30 minutos (sempre no mesmo dia): obra, orçamento e planeamento na mesma mesa.
  2. Mapa de extras vivo: cada alteração entra com data, descrição, custo estimado e responsável pela aprovação.
  3. Medições confirmadas antes de pagar: o que se paga tem correspondência com o que foi executado e medido.
  4. Comparação “Previsto vs. Real” por capítulos: estrutura, alvenarias, instalações, acabamentos - para ver onde está a sangria.
  5. Decisão explícita: aprovar, recusar ou adiar com alternativa. O silêncio não é aprovação.

O erro mais comum é tentar controlar custos “no fim do mês”, quando chegam os valores fechados. Nessa altura, já não se escolhe: só se reage. O que muda o jogo é controlar no momento em que a decisão ainda é reversível.

Outro erro frequente é deixar o controlo apenas nas mãos de quem executa. Não é má fé; é a natureza do trabalho. Quem está a resolver problemas no terreno vai escolher a solução que mantém a obra a andar. Se não houver validação, a solução mais rápida vence - e muitas vezes é a mais cara.

Onde o dinheiro se esconde: mudanças, desperdício e tempo

Numa obra, custo e tempo são quase a mesma coisa. Uma semana a mais é mais estaleiro, mais coordenação, mais alugueres, mais deslocações, mais “pequenos” custos que ninguém orçamentou linha a linha. E atrasos têm um efeito dominó: equipas que não entram na data certa cobram remarcações, e fornecedores reajustam preços.

Três zonas onde o orçamento costuma “evaporar” sem drama:

  • Alterações em obra: mudar um material parece só trocar uma peça; na prática muda mão de obra, prazos e compatibilidades.
  • Erros de compatibilização: o que não foi resolvido em projeto é pago em obra, sempre com taxa de urgência.
  • Perdas por falta de planeamento: material que sobra, que se estraga, que é encomendado duas vezes, ou que chega cedo demais e é danificado.

Às vezes, a obra nem está a gastar “demais” num item. Está a gastar “mal distribuído”: poupa-se num lado e compensa-se noutro com retrabalho. E retrabalho é um imposto invisível.

O que muda quando existe um responsável claro

Quando alguém assume o controlo do processo, a obra não fica mais lenta. Fica mais previsível. As conversas mudam de “quanto custou?” para “quanto vai custar se fizermos assim?”. E essa pergunta, feita a tempo, vale mais do que qualquer negociação tardia.

Um bom responsável de gestão não precisa de estar no estaleiro todos os dias, mas precisa de garantir três coisas: registo, comparação e decisão. Se não há rasto, não há aprendizagem. Se não há comparação, não há alerta. Se não há decisão, a obra decide por si.

Uma forma simples de ver se o projeto está protegido é esta: se amanhã houver uma alteração, consegue responder em 10 minutos a “impacto em custo” e “impacto em prazo”? Se a resposta for não, os custos já estão a escapar - só ainda não chegaram todos ao papel.

Ponto de controlo O que registar Para quê
Alterações/Extras descrição + aprovação + estimativa evitar “surpresas” no fim
Medições/Pagamentos quantidade executada + evidência pagar só o que existe
Previsto vs. Real custo por capítulos detetar derrapagens cedo

FAQ:

  • O controlo de custos serve apenas para grandes obras? Não. Em obras pequenas, um ou dois extras mal definidos podem representar uma percentagem enorme do orçamento total.
  • Quem deve fazer o controlo: empreiteiro, fiscal ou dono de obra? Pode variar, mas tem de haver um responsável único e um método partilhado. Quando “é de todos”, acaba por não ser de ninguém.
  • Como lidar com um extra pedido verbalmente em obra? Registar no próprio dia, estimar impacto e pedir aprovação por escrito antes de executar. O verbal é a raiz clássica dos conflitos.
  • É normal pagar antes de medir para não parar a obra? Pode acontecer em casos específicos, mas como regra aumenta o risco. O ideal é medir, validar e pagar com base no executado.
  • Qual é o indicador mais cedo de derrapagem? Atrasos pequenos repetidos e alterações sem registo. Quando isso aparece, o orçamento quase sempre segue o mesmo caminho.

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