A maior parte dos atrasos não nasce de falta de esforço. Nasce quando a coordenação de projeto não define, com rigor, quem decide, quem executa e quem valida - e as lacunas de responsabilidade ficam escondidas até ao dia em que algo falha. Em obra, em produto digital ou numa mudança interna, isso traduz-se sempre no mesmo: tarefas “em espera”, aprovações que ninguém assume e entregas que derrapam sem um culpado claro.
O problema é que, no início, parece tudo gerível. As equipas avançam com boa vontade, improvisam alinhamentos, e confiam que “logo se resolve”. Só que um projeto é uma cadeia: basta um elo sem dono para a data final se tornar uma suposição.
A zona cinzenta onde os prazos começam a morrer
Há um momento típico em qualquer projeto. Uma tarefa fica bloqueada porque falta uma decisão: um detalhe do âmbito, uma assinatura, um fornecedor, um acesso, um esclarecimento do cliente. Toda a gente sabe que “alguém” devia responder, mas ninguém tem autoridade explícita - ou tempo - para o fazer.
Essa zona cinzenta é o terreno fértil das lacunas de responsabilidade. Não são dramáticas, não aparecem num relatório de riscos no primeiro dia, e raramente são intencionais. São simplesmente o resultado de responsabilidades distribuídas por “toda a gente” e, por isso, por ninguém.
Quando uma responsabilidade não tem nome, o prazo passa a ser uma opinião.
Coordenação não é controlar: é desenhar o sistema de decisões
Muita gente confunde coordenação de projeto com microgestão. Na prática, é o contrário: coordenar bem é reduzir fricção, não aumentar. É criar um sistema onde as decisões acontecem depressa, os bloqueios têm dono e a equipa sabe o que fazer sem pedir autorização para tudo.
Num projeto saudável, três coisas ficam claras desde cedo:
- Quem tem a palavra final quando há conflito entre áreas.
- Que entregáveis existem e o que “feito” significa.
- Como se faz escalonamento quando algo emperra (e em quanto tempo).
Sem isto, a equipa trabalha, mas trabalha às cegas. E o esforço, por si só, não compra tempo.
O sinal mais comum: “estamos à espera de resposta”
Se ouve esta frase com frequência, é quase certo que o problema não é técnico. É de governança. “À espera de resposta” costuma significar:
- Ninguém foi oficialmente designado para decidir.
- A pessoa designada não sabe que tem de decidir.
- A decisão depende de duas pessoas que se anulam.
- Falta um critério claro e ninguém quer assumir o risco.
O atraso, nesse caso, não é um evento. É um padrão.
Onde as lacunas de responsabilidade se escondem (até explodirem)
Elas aparecem em pontos previsíveis, mesmo em equipas experientes:
- Interfaces entre equipas: produto vs. engenharia, obra vs. fiscalização, operações vs. compras.
- Mudanças de âmbito: “só mais um ajuste” que não passa por um circuito de aprovação.
- Dependências externas: fornecedores, licenças, acessos, dados do cliente.
- Qualidade e validação: quem testa, quem aceita, quem assina que está pronto.
O mais perigoso é que estas lacunas parecem pequenas no dia-a-dia. Só que acumulam. E quando se acumulam, o cronograma passa a depender de milagres.
Um exemplo curto que acontece em todo o lado
Uma equipa precisa de um novo fluxo no sistema. A engenharia implementa. O negócio diz que “não era bem isto”. O designer acha que falta consistência. O jurídico pede um aviso. Ninguém sabe quem dá o “ok” final para lançar.
O resultado é previsível: a funcionalidade fica tecnicamente pronta, mas operacionalmente bloqueada. O projeto não atrasa porque falta trabalho; atrasa porque falta dono para fechar.
O que um coordenador de projeto eficaz faz logo na primeira semana
Não precisa de grandes ferramentas. Precisa de clareza repetida, documentada e aplicada.
- Mapeia entregáveis e dependências (não só tarefas): o que depende de quê, e de quem.
- Define papéis de decisão: quem propõe, quem aprova, quem é consultado, quem é informado.
- Cria um circuito de escalonamento: quando um bloqueio passa a ser “urgente” e para quem sobe.
- Fixa cadência: checkpoints curtos e regulares, com decisões registadas.
- Protege o âmbito: mudanças entram por uma porta, com impacto em prazo e custo visível.
Nada disto elimina imprevistos. Mas impede que o projeto morra lentamente por indecisão.
Um mini-guia prático para fechar o “quem faz o quê”
- Se uma tarefa tem impacto em prazo/custo, tem de ter responsável único.
- Se uma decisão pode bloquear outras, tem de ter prazo de decisão.
- Se há mais de um aprovador, tem de existir ordem e critério (ou vira veto mútuo).
A coordenação não serve para “ter reuniões”. Serve para impedir que o silêncio vire atraso.
Uma verificação rápida: o seu projeto está vulnerável?
Se reconhece dois ou mais destes sinais, as lacunas de responsabilidade já estão a cobrar juros:
- Há tarefas “quase prontas” há semanas.
- As aprovações acontecem por mensagens soltas, sem registo.
- As pessoas usam “eles” para falar do responsável (“eles ainda não responderam”).
- O plano muda, mas ninguém atualiza dependências e impacto.
- O cliente ou a direção só descobre bloqueios quando já é tarde.
A boa notícia é que isto é corrigível. A má notícia é que raramente se corrige sozinho.
O atraso não é inevitável - a ausência de coordenação é que o torna inevitável
Projetos complexos não falham por falta de talento. Falham porque ninguém desenhou, com antecedência, o caminho das decisões e a propriedade dos bloqueios. E quando a propriedade é difusa, a velocidade cai, a frustração sobe e o prazo final vira uma negociação permanente.
Coordenação de projeto é, no fundo, uma forma de respeito: pelo tempo da equipa, pelo dinheiro do cliente e pela realidade de que “toda a gente a tentar ajudar” não substitui “alguém responsável por fechar”.
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