Há obras que começam com entusiasmo, um contrato e uma data escrita a marcador. Mas se no arranque ninguém fala de planeamento da construção e de divulgação de risco - o que pode correr mal, quando, com que impacto e quem decide - então o projecto está a caminhar às cegas. E para quem paga, gere ou vive com a obra, isso não é detalhe: é o tipo de silêncio que mais tarde aparece em forma de derrapagens, aditamentos e discussões no estaleiro.
O problema é que “vamos vendo” soa a flexibilidade, quando na prática é falta de método. Numa obra, o risco não desaparece por não ser dito; só muda de sítio, do papel para o orçamento, e do orçamento para a relação entre as pessoas.
O sinal de alerta que quase ninguém quer ouvir no dia 1
No primeiro dia tudo parece simples: demolições, encomendas, equipas a entrar e a sair, e a promessa de que “isto em duas semanas fica fechado”. É precisamente nesse momento que a conversa sobre riscos deve acontecer, porque ainda há margem para ajustar escolhas sem pagar duas vezes.
Quando ninguém levanta riscos no início, normalmente há uma destas razões: receio de “assustar o cliente”, confiança excessiva, ou ausência de um processo. Nenhuma é boa. As três acabam por produzir o mesmo resultado: decisões reactivas, urgências inventadas e uma obra que começa a ser gerida pelo barulho, não pelo plano.
O risco é como humidade num prédio antigo: pode estar invisível no início, mas vai aparecer - e raramente no sítio mais barato.
Porque o risco não é pessimismo: é engenharia de decisão
Divulgação de risco não é uma lista de tragédias para deprimir a reunião. É uma ferramenta para decidir melhor: qual o trade-off aceitável entre prazo, custo, qualidade e conforto, antes de o betão estar lançado e a carpintaria encomendada.
Uma boa divulgação de risco torna explícito o que, de outra forma, fica implícito e perigoso: dependências entre tarefas, materiais com prazos longos, tolerâncias de execução, pontos de inspecção, e o que acontece se chover duas semanas seguidas ou se um fornecedor falhar.
Riscos típicos que deviam estar na mesa logo no arranque
- Prazo de fornecimentos críticos (caixilharia, AVAC, cerâmica especial, cozinhas por medida).
- Compatibilização entre especialidades (electricidade vs. pladur, águas vs. impermeabilizações).
- Condições do existente (paredes fora de esquadria, humidades, infra-estruturas antigas).
- Licenças e inspecções (o que depende de terceiros e em que momentos bloqueia a obra).
- Decisões do dono de obra (prazos para escolher materiais e aprovar amostras).
Estas coisas não são “azar”. São previsíveis o suficiente para serem planeadas - e, por isso, imperdoáveis quando são tratadas como surpresa.
O que um bom planeamento precisa de dizer, sem rodeios
Um plano que só tem datas não é planeamento; é uma agenda optimista. O planeamento da construção útil descreve sequência, dependências e critérios de prontidão: o que tem de estar concluído para a tarefa seguinte começar sem improviso.
Também define quem valida o quê. Porque muitas derrapagens nascem de uma frase vaga: “quando estiver pronto, avançamos”. Pronto para quem? Com que nível de acabamento? Com que testes feitos?
Um “kit mínimo” de planeamento que reduz conflitos
- Cronograma por fases, com marcos claros (estrutura/fecho, instalações, acabamentos, comissionamento).
- Mapa de dependências (o que bloqueia o quê).
- Lista de decisões com prazos (materiais, cores, equipamentos, alterações).
- Plano de compras com datas de encomenda e entrega.
- Pontos de controlo antes de tapar trabalhos (ex.: testes de estanquidade antes de fechar paredes).
Nada disto precisa de ser pesado. Precisa é de existir e ser usado, semana após semana.
Como fazer divulgação de risco sem criar pânico (e sem vender ilusões)
A forma como se fala de risco decide se a equipa coopera ou se fecha a cara. O tom certo é factual: probabilidade, impacto e mitigação. Não é drama; é gestão.
Funciona especialmente bem quando se transforma risco em opções. Em vez de “a caixilharia pode atrasar”, dizer: “se a caixilharia atrasar duas semanas, temos três alternativas: antecipar encomenda com sinal maior, escolher um sistema disponível, ou ajustar a sequência e aceitar impacto no prazo final”.
Um formato simples para reuniões (15 minutos, sem teatro)
- Top 5 riscos da semana (um por especialidade, se possível).
- Estado: aumentou, diminuiu ou manteve?
- Decisão necessária: quem decide e até quando?
- Plano B: o que fazemos se o risco acontecer?
- Registo: uma página partilhada, sempre actualizada.
O objectivo não é adivinhar o futuro. É evitar que o futuro apanhe toda a gente desprevenida.
O que costuma correr mal quando o risco é escondido
A obra avança “bem” até ao dia em que deixa de avançar. De repente, há uma equipa parada à espera de material, outra a refazer porque “afinal a cota não dava”, e uma discussão sobre quem paga a alteração que ninguém formalizou.
Em muitos casos, não faltou competência técnica. Faltou alinhamento. Sem divulgação de risco, cada interveniente protege o seu pedaço: o empreiteiro tenta não prometer, o cliente tenta não pagar mais, os projectistas tentam não reabrir decisões. O estaleiro transforma-se num jogo de empurrar responsabilidades.
Um sinal prático de maturidade: riscos escritos, não “ditos ao telefone”
Quando o risco fica só na conversa, perde-se com a rotação das equipas, com a urgência do dia, com o cansaço. Quando está registado - mesmo numa tabela simples - torna-se accionável: alguém tem de responder, mitigar, decidir.
Se está a iniciar uma obra, peça isto antes de qualquer grande pagamento: uma lista de riscos iniciais e o plano para os gerir. Não é desconfiança. É aquilo que separa uma obra profissional de uma obra que vive de sorte.
Checklist rápido para o dono de obra (antes de começar)
- Quem é responsável por manter o planeamento actualizado?
- Onde é registado o risco e quem o revê semanalmente?
- Quais são os 3 fornecimentos com maior probabilidade de atrasar?
- Que trabalhos não podem ser “tapados” sem validação?
- Que decisões minhas têm prazo e impacto directo no cronograma?
FAQ:
- Qual é a diferença entre risco e problema? Risco é algo que pode acontecer; problema é o que já aconteceu. Falar de risco cedo permite agir antes de virar custo e atraso.
- Divulgação de risco não vai fazer o orçamento subir? Pode revelar custos reais (por exemplo, necessidade de ensaios ou contingência), mas normalmente evita custos maiores de retrabalho, paragens e aditamentos em cima do joelho.
- Quem deve liderar o planeamento da construção numa obra pequena? Idealmente o empreiteiro ou direcção de obra, com participação activa do dono de obra nas decisões. O essencial é haver um responsável único por consolidar informação e actualizar o plano.
- Com que frequência se deve rever riscos? Em obras activas, semanalmente. Em fases críticas (fecho, instalações, acabamentos), pode fazer sentido rever duas vezes por semana, nem que seja em 10 minutos.
- O que faço se a equipa evitar falar de riscos? Peça por escrito os principais riscos, dependências e um plano de mitigação. Se a recusa for sistemática, é um indicador sério de que a gestão vai ser reactiva - e isso deve pesar na escolha do parceiro.
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